Aurora on
Eu não disse nada durante todo o voo de volta. Não disse nada quando saltei do pescoço de Dominic na entrada de sua casa. Não disse nada quando comecei a caminhar para dentro da mesma, sem coragem para encará-lo.
Ele bateu a pata no chão, me chamando do jeito que ele sabia que eu odiava.
Eu não me virei em sua direção.
Ele bateu novamente, com força suficiente para que eu fosse obrigada a dobrar os joelhos ligeiramente, na intenção de me manter de pé mesmo diante de todo aquele tremor.
Eu fechei os olhos e respirei fundo antes me virar em direção ao dragão. Meus olhos não foram aos seus como sempre faziam. Eu... eu estava envergonhada.
Envergonhada de ele ter escutado o que Lucian disse. De ele saber que eu cometi o erro mais burro de todos: confiar em alguém que não era digno de algo como confiança.
Ele soltou um som baixo e sofrido enquanto baixava a cabeça em minha direção. E quando aqueles grandes olhos enfim se cravaram nos meus, um brilho de dor estava estampado neles.
-Eu não quero que você tenha uma visão ruim de mim-confessei em um sussurro tão baixo que eu mal pude me ouvir- Eu... eu acho que consigo confiar em você, garotão, porque não consigo assimilar sua outra forma
Isso havia o causado dor, eu conseguia ver naqueles olhos verdes impecáveis.
-Eu não consigo entender porque confio em você, Dom. Porque, inferno, porque eu gosto de você. Por que eu entendo você. Eu não sei, Dominic. E isso me apavora.
Uma piscada.
-Eu sei que você me entende-resmunguei, desviando meus olhos para o céu enquanto eu respirava fundo- Eu sei que sofreu nas mãos dos bruxos, Dominic, mas porra, você o fez porque é nobre. Porque queria salvar sua família. Eu o fiz porque fui burra. Porque me apaixonei por um cara e o entreguei meu coração de bandeja e ele armou para mim. Porque ele me jogou em um lugar para morrer da pior maneira possível. Porque eu deixei meu povo na mão. O grupo que eu deveria proteger, na mão. E sabe-se lá que obra do destino os fez chegar até aqui, mas não é graças a mim eles estarem vivos
O suspiro pesado de Dominic bem a centímetros da minha cara fez meus cabelos voarem. Ele parecia zangado com todas as verdades que eu estava falando. Sua cabeça se balançou violentamente para os lados como se piscar duas vezes não fosse negação suficiente.
Eu respirei fundo, vendo-o parar e me encarar a centímetros de mim. Eu só poderia estar ficando oficialmente maluca.
Um sorriso triste se delineou em meus lábios quando eu tombei minha testa para frente, deitando-a em seu rosto. Dominic paralisou com o gesto por leves segundos, antes de abaixar seu focinho, colando sua testa na minha.
Meus braços foram para em volta de seu focinho da maneira que foi possível e quando eu vi, eu estava dando o abraço mais sincero -e talvez o mais íntimo- que eu já dei na vida. E estava sendo em um dragão.
-É estranho sermos amigo, garotão-sussurrei, mas ele grunhiu em resposta, o que me fez sorrir- Tente negar, mas é mega estranho-outro grunhido que havia me feito sorrir, ainda sem coragem de sair daquela posição- Eu fui enviada de lanchinho da tarde para você e agora aqui estou eu, abraçando um dragão.
Eu me afastei dele, vendo-o protestar com o gesto. Um sorriso sincero se delineou em meus lábios dessa vez quando eu toquei seu focinho, vendo seus olhos se fecharem com o ato.
-Eu não consigo parar de me perguntar porque, garotão-sussurrei, mas me sobressaltei quando uma voz atrás de mim respondeu à minha constatação
-Porque você é justamente as duas metades que ligarão o todo
Eu me sobressaltei e Dominic imediatamente pulou para minha frente, ficando entre mim e... aquilo era... aquilo era uma idosa?
O dragão rosnou na direção da mulher que apenas deu de ombros, como se ele não fosse nada.
A senhora, negra de cabelos brancos e crespos, pouco parecia se importar com o dragão a sua frente. Apoiada em uma bengala de madeira, ela apertava os olhos em minha direção, ressaltando as rugas em seu rosto enquanto tentava me ver melhor.
-Ela é nossa melhor esperança, filho-a voz de Martha soou e eu vi Dominic piscar duas vezes em direção a mãe
-Você se parece muito com sua mãe, Aurora-a mulher anunciou, me oferencendo um sorriso
-Quem... quem é você?-indaguei, me desvencilhando de Dominic para tentar enxerga-la melhor, mas ele esticou a asa a minha frente, me impedindo de me aproximar
-Você a protege com suas próprias asas, Walker?-a senhora pareceu igualmente surpresa e provocadora, o que fez o dragão rosnar em sua direção
-Quem é você? E o que sabe sobre minha mãe?-indaguei, mantendo minha voz firme
-Eu sou sua resposta querida-anunciou, me oferecendo um sorriso um tanto quanto suspeito- Eu não sou um, eu sou dois
-Do que você está falando, Mirna?-Martha indagou, arregalando os olhos como se tivesse entendido algo que eu não entendia
-Eu sou a anciã dos dragões, Aurora. A mais velha desse povo. Mas eu não sou apenas anciã dos dragões. Eu sou dos bruxos também
-O... que?
-Uma mestiça-Martha anunciou em minha direção, e de repente eu acho que o mundo ficou um pouco mais girante
-Eu sou metade bruxa, metade dragão. Eu fui a primeira e a única por muitos séculos. Mas lá estava sua mãe. A segunda de nós. Filha de um humano com uma draconiana. É surpreendente que ela tenha chegado a idade adulta, mas compreensível que ela tenha morrido em seu parto.
-N-não isso... isso não é-comecei, recuando um passo- Isso não é... isso não é verdade
O mundo estava mais leve?
Onde... onde estava o ar?
Eu não conseguia respirar.
Não. Não era possível.
Não podia ser. Meu pai... ele...
Os livros. As histórias. As coisas que ninguém mais sabia sobre eles e ele o fazia. Os mapas. As direções sempre apontando para o Norte. Para cá. A guerra obrigando dragões ficarem na forma humana.
-Você é o elo remanescente entre homem e dragão. É a união que o destino personificou. Você deve restaurar a forma de Dominic. Deve trazer o rei dragão de volta ao seu trono para que a guerra acabe e os dragões tomem seu lugar de direto
Minha mão foi em direção a minha garganta quando o ar realmente começou a faltar.
Eu? Elo?
Dominic sabia disso?
-O que?
-Você foi escolhida a dedo pelo destino, Aurora Mitchell. Você é a companheira de Dominic Walker. Sua alma gêmea. Sua parceira.
Eu me senti zonza e a última coisa que senti foi a asa de Dom interceptando minha queda em direção ao chão.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Coração de dragão
FantasiUma guerra inexplicável se instaurou em um mundo habitado por bruxos, fadas, elfos, humanos e dragões. A luta entre os primeiros e os últimos citados culminou na extinção dos seres majestosos de escamas robustas. Ao menos era isso que imaginavam. E...