CAPÍTULO I

17 3 7
                                    

Enya

Minha cabeça doía de maneira quase agonizante. Quando abri os olhos, tudo ficou escuro e vazio, como um céu noturno sem estrelas e, depois, demorei para me ajustar com a luz refulgente. Não sabia onde estava, percebi. Pessoas falavam – brigavam – em algum lugar. Me levantei com dificuldade e caminhei até onde as vozes pareciam vir. O quarto onde eu estava era meticulosamente limpo, as paredes e chão eram tão brancos que chegavam a cintilar e a cama onde eu estava, para minha surpresa, estava coberta de sangue do começo ao fim. Olhei para meus braços e pernas, completamente espantada por ver ataduras e curativos em todo centímetro de pele. O corredor era apertado, escuro – apenas uma pequena luz em um dos lados da parede rústica de pedra iluminava toda sua extensão - e úmido. Os sons vinham da cozinha. Uma mulher de longos cabelos de fios prateados e lilases como a luz lunar falava:

— Não podia apenas deixá-la lá para morrer! O que esperava que eu fizesse? — A voz firme e feminina reclamou.

O homem na outra ponta da mesa, surpreendentemente alto, com olhos verdes cintilantes e um espesso cabelo castanho ondulado que cobria sua testa, rebateu:

— Que fosse sensata, Altalune, não pode simplesmente trazer uma estranha para dentro de casa!

A garota saltou de sua cadeira. Partículas lunares pareciam explodir por todo o redor da jovem.

— Ela estava toda cortada, fiquei horrorizada em sequer pensar, melhor, sequer me permitir imaginar deixá-la ali...

O homem pareceu pensar.

— Tudo bem, eu só... Não foi isso que quis dizer. Vamos deixá-la ficar aqui até que se recupere.

A jovem concordou com a cabeça, fazendo a tensão nos ombros do homem alto diminuir. Percebi que não devia estar espionando e o sentimento similar ao de culpa - não culpa exatamente - ferveu no meu sangue. Quando me virei para ir embora com a menção deles de irem ver como, aparentemente, eu estava, acabei batendo meu ombro na parede. Uma dor forte preencheu todo o meu corpo e acabei gritando. Altalune veio ao meu encontro em instantes.

— Você não deveria estar de pé, deve descansar! — A voz soava como um comando arrogante, mas seus olhos eram preocupados. Murmurei, com a voz extremamente rouca:

— Onde estou? — O homem me analisou de cima a baixo, como se quisesse saber se valia realmente a pena me deixar ali.

Altalune suspirou, como se não quisesse explicar. Depois de me obrigar a deitar na cama ensanguentada, explicou:

— Está em uma caverna, meu santuário pessoal. Essa é a minha casa e a de Thomas — O homem assentiu. — e de outros exilados.

Exilados. Um vislumbre dessa palavra percorreu minha mente, mas tudo parecia enevoado para que eu lembrasse o momento que a escutei. A dor no ombro cessara.

— Por que estou aqui? O que aconteceu comigo? — Tentei percorrer minha mente em busca de alguma lembrança. Nada. Altalune sentou na cama. Thomas foi embora sem se despedir.

— É o que quero descobrir. Você estava largada em uma estrada e, sendo bem vaga, seu estado era deplorável. Tive que trazer você comigo, se não morreria.

Ela estalou os dedos e uma sopa apareceu em suas mãos. Ela levou uma colher até minha boca. Virei o rosto abruptamente. Sibilei:

— Como posso confiar em você?

Ela deu uma risada de escárnio. Seus olhos eram severos. Por fim, anunciou:

— Você não tem ninguém para confiar além de mim. Ah! E não pense que só porque te ajudei irei aceitar ser tratada com irreverência. Estou fazendo um favor, você não é uma responsabilidade minha.

O Conto da Lua de PrataOnde histórias criam vida. Descubra agora