Capítulo 01: Acordo

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Meu nome, naquele tempo, era Pranpriya Trinder. As pessoas me chamavam de Prapy. Sei em que ano nasci, mas durante muito tempo não soube nem o mês nem o dia, e escolhi o Natal para o meu aniversário. Acho que sou órfã. Minha mãe, eu sei, morreu. Mas nunca a vi, ela não foi nada para mim. Eu era a filha da sra. Sucksby, se era para ser filha de alguém; e, como pai, tinha o sr. Ibbs, que mantinha uma oficina de chaveiro em Pohang.

Até quando minha memória alcança, é a primeira vez que penso no mundo e no meu lugar nele.

Havia uma menina chamada Flora que pagava um penny à sra. Sucksby para me levar para mendigar no teatro. As pessoas, então, costumavam me levar para esmolar, por causa de meu cabelo preto e sedoso. E Flora, também sendo muito morena, fazia-me passar por sua irmã. O teatro a que me levou, na noite em que estou pensando agora, foi o Surrey, St. George's Circus. A peça era Oliver Twist. Lembro-me dela como tendo sido horrível. Lembro-me da inclinação da galeria e da altura até o fundo da plateia. Lembro-me de uma mulher bêbada agarrando-se às fitas de meu vestido. Lembro-me da iluminação que tornava o palco muito sombrio, e das vozes altas dos atores, da gritaria da turba. Um dos personagens usava uma peruca ruiva e suíças: eu tinha certeza de que era um macaco de casaco, já que pulava como se fosse um. Pior ainda era o cachorro rosnento, de olhos rosados. Mas o pior de tudo foi o dono do cachorro - Bill Sykes, o gigolô. Quando bateu na pobre menina Nancy com seu cajado, todas as pessoas sentadas na nossa fila se levantaram. Uma bota foi jogada no palco. Uma mulher do meu lado gritou:

- Oh, seu animal! Seu canalha! Ela vale mais que quarenta valentões como você!

Não sei se foram as pessoas se levantando - o que fez a galeria parecer balançar -, a mulher aos gritos ou a visão de Nancy caída, completamente imóvel, aos pés de Bill Sykes, mas fui tomada por um terror incontrolável. Achei que todos seríamos mortos. Comecei a berrar, e Flora não conseguiu me calar. E, quando a mulher que tinha gritado estendeu os braços para mim e sorriu, berrei ainda mais alto. Então Flora começou a chorar - ela tinha apenas doze ou treze anos, acho. Levou-me para casa, e a sra. Sucksby bateu nela.

- O que você imaginou quando a levou a uma coisa dessas? - disse ela. - Era para se sentar com ela na escada da frente. Não alugo minhas crianças para que sejam devolvidas nesse estado, lívidas de tanto gritar. O que pretendia?

Pegou-me no colo, e chorei de novo.

- Pronto, está tudo bem, meu cordeirinho - disse ela. Flora permaneceu em pé à sua frente, sem falar, puxando uma mecha de cabelo sobre a bochecha vermelha. A sra. Sucksby era um demônio quando perdia as estribeiras. Olhava para Flora e batia o pé de chinelo no tapete, o tempo todo se balançando na cadeira de balanço, uma grande cadeira de madeira rangente em que só ela se sentava, e batendo sua mão grossa e áspera nas minhas costas trêmulas.

- Conheço a sua roupa - disse ela calmamente. Conhecia a roupa de todo mundo. - O que conseguiu? Alguns lenços, foi isso? Uns lenços e uma bolsa de mulher?

Flora puxou a mecha de cabelo até a boca e a mordeu.

- Uma bolsa - disse ela após um segundo. - E um vidro de perfume.

- Mostre - disse a sra. Sucksby, estendendo a mão. Flora amarrou a cara. Mas pôs seus dedos em um rasgão na cintura de sua saia e enfiou a mão. E imaginem a minha surpresa ao ver que o rasgão não era rasgo nenhum, mas um pequeno bolso de seda costurado dentro de seu vestido. Ela retirou uma bolsa preta de pano e um vidro com uma rolha em uma corrente de prata. A bolsa tinha três pence dentro e metade de uma noz-moscada. Talvez a tivesse tirado da mulher bêbada que se agarrou ao meu vestido. O vidro, sem a tampa, cheirava a rosas. A sra. Sucksby cheirou.

Derrepente AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora