my tears ricochet. (susan's version)

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Susan só não conseguia.

Tudo parecia muito cinza, seus ossos muito fracos, o mundo lentamente se acabando. E, mesmo assim, todos esperavam que ela se levantasse dia após dia, uma rainha sem reino, uma jovem sem qualquer juventude, para sempre ali, forçada a se observar sumir enquanto crescia pela segunda vez.

Ela tinha tanta beleza; agora, tudo tinha se esvaído, tudo trancado esperando o fim de uma adolescência desajeitada, cabelos curtos, a palidez de crianças de um país em guerra. Suas mãos (sem quaisquer anéis) tentavam sem êxito construir uma trança sem vida, que mal chegava a seus ombros ossudos. Ela abotoou sua saia de tecido grosseiro, alisou sua blusa desbotada, observou seus joelhos magros. Nenhuma respiração, mais profunda que fosse, parecia conseguir colocar ar em seus pulmões.

A coisa inteira parecia um castigo cruel demais para Seus reis e rainhas; parecia demais exílio.

Parecia um feitiço, lançado para que ela nunca pudesse os encontrar de novo, porque Aslam proibisse que ela olhasse demais para Lucy, de novo a criança que ela tivera que criar em seus braços ainda infantis, de volta àqueles tempos. Aqui, ela não era livre, ela não era Lucy. No final, o que Lucy era era Nárnia e bem ali, naquela terra cruel, não havia metade do espaço que ela precisava para sua grandeza.

Ela estava sentada de frente para Susan, perfeita, pernas cruzadas sob a saia do uniforme, um facho de luz suave bem em seus olhos, o que era apropriado. Ela sorriu quando a viu olhando, como sempre, não importava a monstruosidade por trás de Susan. Susan se lembrou de quando a ensinou a trançar o próprio cabelo, de quando a mostrou como usar o arco e flecha. Susan ainda conseguia ver a coisa por trás de seus olhos, aquela luz que agora era incômoda, ainda conseguia ver o bebê perfeito que Lucy tinha sido, a irmãzinha exigente que sempre conseguia convencer Susan, que tinha o coração mole demais para os olhos gigantes de Lucy. Lucy sempre seria especial porque era uma garota que nem ela, pouco interessada nas disputas de Peter e Edmund, sempre pronta para discutir sobre vestidos e festas e flechas e guerras, a ser a primeira sombra de Susan. Ela conseguia se lembrar das preparações para os bailes, as sessões de treino, a receita do mingau preferido dela, se ela só conseguisse olhar para Lucy.

Susan desviou o olhar.

Olhos voltados novamente para a janela daquele trem dos infernos, avançando sem qualquer graça pelas paisagens lamacentas, ela escutou a troca de palavras dos outros, enquanto Peter distribuía os sanduíches cuidadosamente embalados por sua mãe. Mãos em punhos, ela escutou a risada de Peter, ela escutou o que sempre pareceria ser o mais suave dos rosnados por baixo de sua voz, agora um pouco diferente, mas sempre dele. De Peter, Susan tinha quase medo. Ela ainda se lembrava de todo o sangue derramado, de toda a glória imposta pelas mãos de seu rei, de seu irmão mais velho, de seu primeiro melhor amigo. Peter, que tinha a ensinado a subir em árvores, a pescar, a escutar e a governar um reino. Peter, que era tão bondoso que nunca tinha deixado eles verem bem todos os pesos que carregavam sua existência.

Contudo, mais do que era magnífico, Peter era paciente. Ele não era de desistir, não era dado aos silêncios espaçosos como os que ele a oferecia agora. Susan estava sempre esperando o momento do discurso, o momento em que ele a forçaria a se lembrar, o momento em que seus olhos muito suaves encontrariam os dela e ele diria "Su, por favor", como sempre dizia quando ela estava sendo muito difícil, quando ela precisava que sua luz dourada iluminasse um pouco de suas sombras.

- Su.

Mas isso foi tudo que ele disse, não demorando seus olhos nela enquanto a entregava um dos pacotes. Aquele fora seu trabalho, um dia, entregar sanduíches e conferir mochilas, ajeitar gravatas e fazer tranças. (E aí conferir suprimentos de guerra e dispensas de castelos e listas de bailes).

folklore. (narnia's version)Onde histórias criam vida. Descubra agora