Sabes quando lês algo,
E não queres ler mais nada durante o restante do dia,
Ou nos próximos dias?
Assim foi, quando li, um dos Poemas de Ariel, de T.S Eliot.
E ao ler os quatro Poemas de Ariel,
Desejei não ler mais nada,
Pelos próximos anos.
Olhei-me no espelho,
Num grande espelho.
Fui entrando pela noite, no escuro
Procurando a taverna da minha alma,
Ajudado pela papoula do sonho
Encontrei um barco,
Meu barco,
Que foi construído em meados de junho.
Jogado nos caminhos submersos de um tempo adverso,
Numa plaga seca e árida,
Entre feras desérticas, que assolam ao meio dia.
Por medo da luz, entreguei-me a noite.
Preferi as feras noturnas,
São mais sinceras, são o que são,
Não se escondem na luz do dia,
No jogo de parecer ser.
As vozes que sussurram inauditas ao meu ouvido,
Falam-me que tudo isso é uma
Grande anedota, loucura lírica.
Esqueço-me do que me falam,
Esqueço-me do que faço.
Recordo-me do que me falam,
Recordo-me do que faço.
Chego cavalgando em meu cavalo cinzento,
No instante certo do crepúsculo.
Canto uma canção como o sabiá,
Aos meus próprios ouvidos,
Pedindo o sopro,
O golpe do sopro que transforma rochas graníticas em poeira,
Que torna o homem a sua forma original,
Pó de uma cova rasa,
Como uma espada transpassa seu coração,
O coração de todos.
Não se pode ver o sopro, apenas sentir sua salvação.
Não possui salvação, o esconderijo do homem atrás dos livros,
O sopro vem.
Não possui socorro o homem escondido sob seus tesouros,
O sopro vem.
Não possui alento o homem atrás de sua arte,
O sopro vem.
Maravilhosa satisfação há em não discernir o real do fantástico,
Odisseia,
Epopeia.
Tropego, eu caminho,
Cansado meu cavalo amarelo trota,
Vacilante minha embarcação veleja.
O velame é um farrapo.
O calafate claudica.
Meu destino é ignoto.
A ilha em frente é um espectro,
Um espelho da minha embarcação.
Vejo gelo e fogo,
Luz e trevas,
Sequidão e água,
Glória e decadência,
Silêncio e canto.
Imagens espectrais,
Que me trazem o inexpressivo saber,
O mistério impronunciável.
Avanço intrépido,
Covarde, temeroso.
Meu cavalo amarelo repousa no convés inundado,
Meu corpo se apoia no leme,
O gurupés se desfaz como os grãos da praia,
Nova ilha minha,
O sabiá emiti seu canto noturno durante a manhã de minha chegada,
Sinto sob meus pés a textura nova dos grãos de areia,
O cheiro da relva virgem,
Toco meu rosto manchado, marcado.
A neblina se esvai,
O silêncio se apresenta imaculado,
Balbucio alguma coisa,
Maculando o sagrado.
Luzes cambiantes enchem-me a visão,
Cores que não constam na palheta dos pintores,
Meus olhos ardem, impuros,
Fecho-os como sinal de glória e escarnio,
Interdito minha visão para repouso de meus olhos cansados.
Ao abri-los, vejo velhas as novas imagens,
Vejo novas as velhas imagens.
Empoeirado meu baú dos espelhos,
Abro-o, pego emprestado um espelho que me ajude a ver melhor situação tal.
Estou numa nova ilha,
Velha ilha,
Situada no final da minha jornada,
Apontada por minha bússola,
Providenciada no fim do meu viatico,
Pelo espelho vejo chegando,
Vejo saindo,
Das mãos do tempo,
Adentrando uma ilha ignota, disforme, indiscernível,
Que não consta na Enciclopédia Britânica,
Nem nos atlas mundiais.
Peço um cântico, peço uma prece,
Rogai por mim,
Rogai por mim,Agora e na hora da nossa chegada, amém.
Da ilha, ainda pouco sei,
Ou nada sei, mas
Pelo espelho sei apenas que aqui cheguei,
Em um dia de sábado,
O dia, 19 de Junho,
O ano, 1993.