Apagão (conto)

691 14 5
                                    

                                                      1

Zeca encarava o espaço vazio entre um veículo e outro. Estava assim há pelo menos uma hora, mas parecia muito menos. Olhava para o nada, para o cimento frio e cinza do chão, limpíssimo. Ele trabalhava num posto de combustível na principal avenida da pequena cidade, não que aquilo significasse alguma coisa. Era uma cidade mínima e poucos carros passavam por ali. Sobrava muito tempo para pensar, mas estranhamente, ele não pensava em muita coisa. Com efeito, apenas ouvia. Pássaros cantavam ao longe, o vento soprava as árvores, cujas folhas pareciam orquestrar um cântico gostoso, um barulho de vassoura contra o chão áspero ou algo como as ondas do mar batendo na areia, uma cantiga intermitente e prazerosa.

Um carro se aproximou e deslizou pelo pavimento até a bomba perto dele. Era um veículo bonito, de cores cromadas e desenho anatômico. Zeca ainda permaneceu parado por bons segundos, apenas fitando o nada. Era assim com ele, tinha sido assim por toda a sua vida, pelo menos a parte dela que ele conseguia se lembrar. Faltava energia. Não para o planeta ou para as casas, ou mesmo para aquele carro que agora aguardava seus serviços, o motorista não menos apático do que ele próprio. O planeta ia muito bem, obrigado. Era o ano 2.202 e naquele tempo, os postos de combustíveis não abasteciam nada derivado de petróleo.

Zeca levantou-se, o rosto com uma expressão vazia e desanimada. Seus olhos ostentavam manchas roxas abaixo das órbitas. Caminhou até a bomba e apanhou um fio grosso preso a um pedestal de metal. Na extremidade do fio havia um plugue de tomada e Zeca encaixou o apetrecho num orifício na lateral do carro. Imediatamente, um ruído em crescendo se fez ouvir, remetendo-o a uma sensação inconfundível de carregamento. Os veículos eram abastecidos a energia elétrica, mas não havia energia elétrica para carros nas casas. Para isso, existiam os postos de combustível.

A rotina se repetiu durante todo o resto do dia, até que Zeca bateu o ponto e saiu. Não se despediu de seu patrão, que também não se importou em falar com ele. Deixou o gorducho atrás de sua mesa de material reciclado contando créditos e seguiu, andando como um zumbi até o seu próprio carro, um automotor de segunda mão que consumia muita energia elétrica para pouco rendimento. Zeca não se importava, andava sempre devagar. Abriu a porta do motorista ao apertar um botão, não se importando com o enorme amassado que a lataria ostentava ali, fruto de alguma pancada violenta, ele não se lembrava. Nem se importava.

Lentamente, rodou pelas ruas da cidadezinha. Não pensava em nada em específico. O rádio no painel permanecia desligado. Sentia-se cansado, abatido. Um desânimo cobria-lhe como um manto invisível. Pela janela aberta do veículo em movimento, observou outros motoristas que passavam por ele, todos rodando bem lentos, apesar das máquinas potentes. Algumas pessoas caminhavam pelas calçadas extremamente limpas. Não andavam em grupos, apenas caminhavam sozinhas, eventualmente esbarrando-se umas nas outras e sem se dar ao trabalho de pedir desculpas. Não falava-se muito naquela época.

Zeca chegou a um cruzamento e parou no semáforo vermelho. Ele passava por ali todos os dias e, como todas as outras vezes no fim do expediente, o semáforo estava vermelho. Ele parou e encarou um enorme outdoor eletrônico com a frase:

NÓS MANTEMOS VOCÊ LIGADO!

Era uma propaganda institucional. Anunciava alguma coisa sobre um novo servidor de última geração, que forneceria energia para toda a cidade. Zeca imaginou que a cidade tinha energia de sobra. Ele é que estava cansado demais para se preocupar com aquilo.

Apagão (conto)Onde histórias criam vida. Descubra agora