Capítulo 1: O Despertar da Determinação

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A luz suave da manhã ainda não havia se firmado completamente no céu quando eu acordei, mas os gritos da minha mãe já ecoavam pela casa. "Haruka, vem tomar café!". Era o aviso diário, sempre tão rotineiro, mas que, no fundo, significava o começo de mais um dia, ainda que eu mal tivesse aberto os olhos. Meus pés ainda pesavam como se estivessem presos ao sono profundo que se arrastava de uma noite mal dormida, uma noite passada escutando as histórias do meu avô.

Minha mente estava turva, mas eu me lembrava bem das palavras de meu avô, das histórias que ele contava, todas entrelaçadas por uma nostalgia que parecia se dissipar a cada manhã. Eu adorava ouvir aquelas histórias, mas ontem, ah, ontem foi diferente. Ele falava com uma energia quase mágica, e eu ficava ali, prestando atenção, deixando que aquelas memórias se gravassem em mim, como se cada palavra fosse uma pequena pedra jogada em um rio de lembranças.

Levantei-me da cama com uma preguiça imensa, os olhos ainda se fechando involuntariamente, enquanto os passos me levavam até a cozinha. O cheiro do café da manhã já me alcançava, mas o que realmente preenchia o ar era o murmúrio constante de minha mãe. Ela estava lá, como sempre, fazendo a comida, murmurando sobre como as coisas deveriam ser, sobre o que eu deveria fazer e o que não deveria fazer.

"Você tem que parar de dormir tão tarde, Haruka," ela dizia, o tom de quem já havia repetido aquilo mais vezes do que eu conseguia contar. Mas, para ser sincera, aquilo soava tão familiar, tão repetido, que eu apenas deixava a voz dela entrar por um ouvido e sair pelo outro, enquanto me servia de café. O líquido quente queimava um pouco, mas eu gostava. Havia algo reconfortante em sentir aquele calor se espalhando pelo meu corpo, como se fosse uma proteção contra o cansaço.

A cada gole, o sermão da minha mãe ia se perdendo no fundo da minha mente, até que eu me via mais uma vez refletindo, talvez até filosofando: como ela reclamava da minha falta de sono, mas parecia esquecer de como ela mesma, às vezes, passava noites em claro, cuidando de tudo, sem nunca reclamar de verdade. Para ela, era normal. Para mim, parecia uma contradição.

A mãe mexia na panela, com suas mãos rápidas e precisas, como sempre fazia. Ela colocava o prato na mesa com um cuidado quase carinhoso, como se cada detalhe da refeição fosse um reflexo do quanto ela queria me proteger, de como, por mais que reclamasse, a preocupação nunca deixava de estar ali.

Enquanto eu tomava o café, pensava nas palavras de minha mãe e em como ela sempre agia como se não tivesse cansaço, como se sua energia fosse infinita. Meus olhos se fixaram por um instante na mesa, no pão, no café, e eu pensei... "Como se ela também não fosse humana."

E foi ali, naquele instante, que percebi algo curioso. A vida dela, sempre voltada para os outros, sempre dando e dando, com um sorriso até cansado, também tinha suas histórias, seus segredos. Ouvindo-a falar, vendo-a preparar o café, ela parecia ser uma figura de força inquebrantável, mas eu sabia que havia muito mais por trás daqueles olhos que, assim como os meus, também estavam cansados. Ela era a mulher que nunca admitia o sono, que se perdia nas responsabilidades diárias, mas eu a via - sem que ela percebesse - em momentos de silêncio, se afundando na mesma nostalgia de um passado distante, em histórias que ela talvez também quisesse contar, mas que jamais contaria.

Eu tomei o último gole de café, levantei-me e olhei para ela, que, como sempre, me observava, ainda com aquele olhar atento, mas talvez menos preocupado do que parecia. Ela já havia escrito sua história, sem perceber. E eu, apenas mais uma personagem.

Mas, por dentro, eu sabia que minha própria história estava sendo escrita em cada palavra, em cada dia. Talvez, um dia, eu contasse as histórias dela, como ela contava as minhas.

Saí para fora, deixando o calor da casa para trás. A brisa fresca me envolveu, trazendo consigo o cheiro da terra úmida e das árvores que se erguiam majestosas ao meu redor. Olhei para a paisagem do meu vilarejo, um lugar simples, mas que, para mim, sempre teve uma beleza única. As árvores estavam por todo canto, suas folhas dançando ao ritmo do vento, como se sussurrassem segredos antigos. Os aldeões, com suas mãos calejadas pelo trabalho, plantavam, colhiam e viviam suas rotinas com a simplicidade de quem encontra significado nas pequenas coisas.

Cicatrizes de VingançaOnde histórias criam vida. Descubra agora