Disseram que um rei merecia um sepultamento, assim como tiveram os outros antes de mim. Puseram meu corpo numa caixa, jogaram sete pás de terra, a certos palmos no solo. Não sei quanto tempo fiquei desacordado; poderiam ter sido anos ou apenas um dia, não saberia distinguir. A adaga que me matara foi enterrada comigo, em meu peito, apontando ao umbigo. Duas moedas, de prata e de ouro em meus olhos. Empurrei a porta à minha frente, ela não abria; caiu a ficha de onde estava. Peguei a adaga de meu peito, quebrei a madeira, rastejei cavando a terra até a superfície. Alguém veria minha mão saindo do chão, como nas histórias de mortos vivos, mas ali não se encontravam espectadores. Tenho sorte de ao menos haver papel caneta e tinta, pois não quero passar uma eternidade sem falar com você. Responda assim que tiver tempo. Não sabia estar vivo ou morto, só que estava com muita fome, tanta que me ardiam as entranhas. Vermes na minha boca não pareciam ser tão nojentos; ao invés de cuspí-los, dei uma chance e mastiguei. Passados para dentro, anelídeos não foram suficientes para conter minha fome, muito menos as larvas de minha roupa. Nenhuma delas se atreveu a devorar minha carne. Fui enterrado à beira dum rio; bebi daquela água infectada - minha sede permanecia. Não me importava que fossem águas envenenadas. A resposta para a questão de meu estado é… O lugar onde estou é tão escuro às vezes. Não sei se tenho sorte de aparecer luz em certos pontos. Apossei-me de uma casa inabitada, te lembro, aqui não encontro outra alma. Aproveito a existência de uma janela alta para escrever-lhe estas cartas. Apoio o papel nas paredes mesmo, não encontro escoras aqui além dessa… Ainda se lembra de mim? Confesso pensar em ti todas as horas, embora no céu daqui não haja distinção de dias. Quero sair daqui o mais rápido possível, já que esses ratos podem, não ser hostis, porém não suporto mais seus olhos vigiando-me de vez em nunca. Será que, ainda com minhas pernas quebradas, chegarei à luz? Não sei resolvê-lo. É aqui onde pertenço, aqui que me encontro.
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Rei dos ratos
Short StoryUm conto em forma de cartas, onde o fantasma de um rei conta sua situação para um amigo. A história se passa no mesmo universo de "Livre servidão", que também está presente nesse mesmo perfil