peek a boo!

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Desde que Roier vira Cellbit pela última vez, seus dias passaram-se cada vez mais chatos, vazios e monótos. Continua a caçar vampiros, mas não era a mesma coisa de sempre; não era como caçar um vampiro em específico.

Sentia-se com o coração partido, traído. Ele havia permitido-se ser vulnerável com nada menos do que um vampiro, e ainda sim, em momento algum esperou algo ruim vindo de Cellbit, porque Roier confiava nele. Roier confiou mais em Cellbit do que em qualquer pessoa que já passou pela sua vida. E com isso, o que ganhou? Um coração partido e uma faca nas costas.

Ao anoitecer, Roier pensava no ritual diário de ambos; se encontrarem casualmente ou coincidentemente em algum lugar – normalmente um bar, um local cheio, afinal, eles deveriam manter todo o cenário de “coincidência” – e passar o resto da madrugada juntos, seja lutando ou apenas conversando, até a luz do sol começar a esquentá-los e Roier ter de se despedir. Na brisa fria e solitária da madrugada, Roier se lembrava de todas as palavras calorosas que trocou com o brasileiro, os segredos sussurrados no meio da noite estrelada, os desejos nunca assumidos por nenhum dos dois.

Agora, Roier se arrependia. Ele se arrependia de ter confiado em Cellbit. Ele se arrependia de ter gasto tanto tempo com ele apenas lutando. Ele se arrependia de ter se aberto completamente para o vampiro. Ele se arrependia de não ter tomado uma atitude em relação a tensão palpável entre ambos antes. Ele tinha muitos arrependimentos quando se tratava de Cellbit.

Mas, o maior arrependimento de todos, foi de ter acordado e ido em busca de Cellbit naquela maldita manhã. E se ele não tivesse descoberto, seria tão ruim assim? Seria tão ruim apenas viver na ilusão da felicidade construída por ele, ao lado de Cellbit?

Uma semana desde a última vez em que havia visto o vampiro, e as memórias insistiam em continuar a se reproduzir em um loop infinito na mente de Roier.

Ouviu o barulho da porta da frente sendo destrancada – era uma porta sendo destrancada, mesmo? Roier não fez questão de tentar identificar, não se importava com mais nada naquele momento – mas sequer se deu ao trabalho de levantar a cabeça de onde estava deitado. Logo, ouviu o sol de alguém esbarrando nas coisas da sala – uma mesa, o sofá, a parede? Jaiden estava extremamente desastrada naquele dia, por algum motivo.

— Jaiden, você tá bêbada? — sua voz saiu baixa e fraca, como se tivesse acabado de acordar de um longo sono.

Novamente, ouviu o corpo de Jaiden esbarrar contra a parede, logo sendo seguido de um gemido.

Um gemido masculino. Muito masculino.

— Guapito..?

Imediatamente, Roier se levantou. A voz de Cellbit despertou todos os sentimentos que ele fez questão de empurrar no fundo de seu coração, saudades fazendo com que seu coração se apertasse. Ao mesmo tempo, sua raiva e decepção voltaram como uma avalanche. Já não bastava ter o traído, ele precisava invadir sua casa e fingir que nada daquilo havia acontecido?

Ao virar o rosto para a porta de seu quarto, teve o vislumbre de Cellbit, apoiado em uma parede, sangrando. No entanto, ele não estava sangrando da maneira que Roier já estava acostumado; ele estava sangrando em absurdas quantidades. Roier tinha certeza absoluta de que não era para Cellbit estar sangrando daquela forma.

Saiu da cama e caminhou até Cellbit, que respirava dificultosamente, suas expressões tomadas por dor e agonia. Todos os sentimentos negativos que por ora surgiram em si, sumiram na mesma rapidez que apareceram, dando lugar a preocupação. Algo de muito errado havia acontecido, não era para Cellbit estar sangrando daquela forma, muito menos estar tão afetado quanto estava!

— O que aconteceu? — sua voz era fraca de preocupação e espanto, e sua expressão provavelmente, pavorosa.

Cellbit apertou seu peito que sangrava ainda mais, tentando de alguma forma, estancar o sangue.

— Me desculpa, eu… — sua voz falhava, sua respiração estava extremamente entrecortada.

Roier começou a se desesperar, apoiando Cellbit em seus braços e o levando até o sofá, deitando o corpo do vampiro ali. Ao tirar cuidadosamente as mãos de Cellbit de cima do machucado, percebeu que aquela ferida definitivamente não era comum. Cellbit havia levado um tiro, a ferida aberta, no entanto, não curava, e variava de uma cor arroxeada para preto.

— Quem fez isso com você? — ele sussurrou, assustado com o que via. Suas mãos tremiam, um reflexo das de Cellbit.

— Me desculpa, eu não queria vir aqui, mas- — respirou fundo, um soluço de dor escapando de si. — Mas eu queria te ver. Queria te ver antes de qualquer coisa.

Roier temia o significado daquela última frase.

— Você vai ficar bem, certo? Não se mexa, eu vou cuidar de você. Eu prometo, você vai ficar bem. — Roier repetiu, quase que para si mesmo, enquanto fitava as íris azuis do vampiro que agora lentamente perdiam seu brilho.

O mexicano se levantou e correu até o banheiro, pegando o kit de primeiros socorros que tinha ali.

— Guapito, isso não vai funcionar.

Roier se desesperou, sequer percebendo as lágrimas que escorriam de seus olhos.

— O que aconteceu, Gatinho? Quem fez isso, quem te feriu?

— Seus pais… Você os deu o colar que eu lhe dei, não é? — sua voz agora não passava mais do que um sussurro.

— O que? Não! Eu nunca faria isso.

— O colar era feito de minhas cinzas. Uma vez transformadas em uma arma, é fatal contra o vampiro do qual as cinzas se originaram. — respirou fundo e então tossiu, uma grande quantidade de sangue saindo de sua boca. — Seus pais tiveram acesso ao colar, de alguma forma, e descobriram como me eliminar de uma vez por todas.

Os olhos de Roier se arregalaram, não sabendo como aquilo era possível. Até que se lembrou, do dia em que descobriu a suposta “traição” de Cellbit. Arrancou o colar de seu pescoço e jogou de qualquer forma na sala da casa de seus pais.

Como podia ter sido tão burro?

— Eu juro, Guapito, eu nunca te trai. Eu nunca sequer pensei ou pensaria nisso! — ele estava morrendo, mas mesmo com seu último fio de vida, era possível ver sua força de vontade para viver; para apenas esclarecer um mal entendido. Seu desespero em provar para Roier que ele o amava, genuinamente.

— Cala a boca, seu idiota, eu confio em você! Deixe suas palavras para depois, agora precisamos te salvar, certo? — sua garganta doía, seus olhos ardiam e sua boca estava seca, ele não sabia o que fazer.

Os olhos de Roier vasculharam em torno de cada canto de sua casa, na procura de algo, qualquer coisa, que pudesse ajudá-lo. Ele estava entrando em desespero, sem saber o que fazer. Sequer havia descoberto como matar Cellbit, como descobriria como salvá-lo?

Até que então, se lembrou de algo. Quando era pequeno, amava ler livros sobre a origem dos vampiros e tudo sobre eles; era fascinado. Em um dos livros, que mais especificamente falava sobre os originais, havia uma frase que aparecia em quase todas as páginas.

“Para salvá-lo aquilo que você mais ama, é preciso deixá-lo ir e ter a coragem necessária para tal.”

Roier nunca se esqueceu daquela frase, a carregando como um mantra por muito tempo.

— Eu posso ter uma ideia do que fazer, mas preciso que você confie em mim.

Fracamente, Cellbit sorriu e levantou sua mão ensanguentada, apertando a mão que ainda tremia, do mexicano.

— Eu confio totalmente em você, Guapito.

O mexicano engoliu em seco, pegando a adaga que estava sempre consigo. A mesma adaga que tantas vezes perfurou o corpo de Cellbit. Caso aquilo não desse certo, Roier não saberia o que fazer consigo. Ele não poderia perder Cellbit, não naquele momento, nunca.

E ele não perderia.

Roier iria até o inferno para buscar Cellbit.

— Eu te amo. — ele sussurrou, suas lágrimas caindo no rosto de Cellbit, que agora não era nada mais do que sereno.

E então, Roier o esfaqueou.

peek a boo! • guapoduoOnde histórias criam vida. Descubra agora