Capítulo 1 - De volta ao coração

7 1 0
                                    


🪷

P.O.V - CLARISSA

Amanheci com o canto do galo e o som de Bento correndo pelo terreiro

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Amanheci com o canto do galo e o som de Bento correndo pelo terreiro. Vesti-me rapidamente, ajeitei o cabelo num coque apressado e desci para alimentar as aves. A rotina por aqui é simples, mas não há como negar que Ares tem um encanto próprio. Esse povoado serrano, famoso pelos cafezais e pelas flores que colorem os caminhos, parece sempre abraçar seus habitantes, mesmo nos dias mais cinzentos.

Depois de varrer o terreiro e cuidar das galinhas, sentei-me no banco de madeira ao lado do galinheiro. É nesses pequenos momentos que gosto de observar a vida acontecendo ao meu redor. Minha família é parte dessa história. Meu pai, além de ser diretor do Instituto de Ares, é uma figura de respeito na comunidade. Dizem que ele é muito sério, mas somente para quem não o conhece. Minha mãe, por outro lado, é conhecida como a melhor cozinheira de Ares, famosa por seus bolos, doces e receitas medicinais caseiras.

Minha mãe é irmã do Padre Miguel, nosso vigário, e a combinação do cargo dela e do meu pai faz com que nossa família seja bastante conhecida. Além disso, ajudo meu pai no Instituto dando aulas para a turma de alfabetização, o que é uma das minhas maiores alegrias.

Bianca, minha irmã mais velha, está cursando enfermagem na cidade grande. Ela só vem nos fins de semana, e eu até que sinto falta dela, mesmo ela sendo chata e desorganizada. Já Loise, aos nove anos, é a atrevida da família. Cheia de opiniões e de mau humor. Ela põe minha paciência no bolso. Por fim, temos Bento, o caçula de cinco anos, um doce de criança. Compreensível e obediente, além de prestativo. Não sei como um anjinho desses saiu da minha família, só sei que foi graça Divina.

Depois de me arrumar para ir à Igreja, peguei a bicicleta e segui pelo caminho principal do povoado. Passei pela Livraria Nossa Senhora de Walsingham, do meu padrinho, o Sr. Donavan. Ele estava na porta, ajeitando algumas cadeiras do café, já que a livraria proporciona este ambiente.

- Bença, padrinho! - gritei enquanto passava.

- Deus te abençoe, menina! - respondeu ele, acenando com um sorriso.

A livraria é meu ponto de encontro com Diana, minha melhor amiga. Sempre que temos um tempo livre, nos encontramos lá. Diana é o oposto de mim: calma, sensata e incrivelmente paciente. Não sei como ela me suporta, mas é uma das poucas pessoas que entende meu humor sem se ofender.

Ao chegar à Igreja, entrei silenciosamente, cobri a cabeça com meu véu e me ajoelhei diante do Sacrário. Estava pronta para rezar, mas uma conversa no banco de trás chamou minha atenção.

- Sabe quem eu acabei de ver agorinha? O mais novo da Isabel. - cochichou uma das senhoras.

- Sério? Faz bem uns quatro anos que ele anda sumido sem dar notícias. Os pais morrem de preocupados...

Automaticamente o nome ecoou em meus pensamentos:

"Pedro Jorge Orleans"

Conheço Pedro desde pequena, mas foi na adolescência que nos tornamos amigos de verdade. Isso começou quando Tomás, o irmão mais velho dele, organizava os encontros para rezar o Rosário na Capela da Chácara do Pico Alto, propriedade da família não muito usada. Sempre disseram que eu e Pedro éramos muito parecidos, o que nos aproximou. Nosso humor duvidoso e conversas cheias de provocações eram só nossos, como um código próprio.

Mas uma memória específica veio à tona. Lembrei-me de quando Pedro contou que tinha sentimentos por outra garota quando enquanto eu, uma boba adolescente apaixonada, começava a nutrir algo por ele e considerar que era recíproco.

- Clarissa, você promete que não conta pra ninguém? - ele disse, com um misto de hesitação e constrangimento.

- Claro, Pedro. O que foi? - perguntei, curiosa.

- Um dia... eu fiquei bêbado. - Ele riu sem jeito. - Não sei como consegui virar uma garrafa de vinho sozinho, mas... acabei pelado na sala, dando uma de Adão. Fiquei gritando coisas sem sentido, e meu pai me deu uma bronca que nunca vou esquecer e meus irmãos filmaram todo ocorrido. Isso foi recente. Desde esse dia, nunca mais pus um gole de álcool na boca.

Naquele momento, não consegui segurar o riso.

- Nossa, Pedro. Que humilhação. - respondi entre risadas. - Um homem desse tamanho...

- Pois é, nunca contei pra ninguém. Nem pra garota que gosto. Só pra você, picola.

Meu riso morreu ali. Ele tinha alguém em mente e não era eu. Achava que o sentimento que crescia em mim era recíproco pela proximidade e ele tinha outra! Mas, mesmo assim, havia algo especial na confiança que ele tinha em mim.

Agora, quatro anos depois, só de saber que ele estava de volta, senti meu coração aquecer e as borboletas no estômago voltarem a voar. Ajeitei o véu e tentei focar na oração, mas não consegui. Pedro Jorge estava de volta, de volta em meu coração, em meus pensamentos e em Ares.

Flor que se cheireOnde histórias criam vida. Descubra agora