Happy Holiday's.

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Tem mais ou menos 5 anos que tomei a decisão mais louca da minha vida, assim que terminei uma das muitas especializações que fiz, comprei um lindo imóvel antigo, numa cidade minúscula no interior de Ottawa, Canadá, e abri um pequeno restaurante. Percebam que o meu relato natalino começa com essa palavra em evidência, pequena; eu venho de uma cidade relativamente grande, onde os sons noturnos não param nem pra gente dormir e eu já pensava nessa mudança antes mesmo de começar a estudar gastronomia.
Quando criança, e em maior evidência agora, sempre amei essa data; a forma como todas as famílias se reúnem, suas tradições e costumes que fui conhecendo aos poucos, e sem deixar de comentar, toda a beleza que nasce das decorações... o auge da minha festança era o dia que íamos visitar a imensa árvore de natal flutuante da lagoa Rodrigo de Freitas! era um mistério pra mim a forma como ela ia parar lá, ainda mais como ela flutuava sendo tão pesada e gigantesca.
Conforme fui crescendo, fui começando a ajudar minha mãe na preparação da ceia natalina, na arrumação da casa e aprendi as poucas tradições que minha família tinha: na semana que antecedia o natal a gente fazia uma senhora faxina, cuidava de toda a decoração do lugar, nada pouco nem simples, era a única época do ano que a gente podia e devia exagerar! no dia anterior, com todas as aves descongeladas, um grupo cuidava do tempero, outro das sobremesas, a finalização da decoração... um dos poucos pontos positivos de se ter uma grande família.
No dia 24 de dezembro todo o bairro tinha um cheiro único e do qual sinto saudades, rabanadas quentinhas e bolinho de chuva... éramos um grupo de 10 crianças que sempre estávamos juntas e até o último cair de sono, fazíamos visitas de casa em casa pra comer um tantinho de cada ceia. Taí a importância de se manter grandes e fiéis amizades, vc tem muitas casas pra visitar na noite de natal... Confesso, eu era um porre pra comer as coisas, e foi assim que comi pudim pela primeira vez e me apaixonei! a rabanada também... o único prato que ainda é um obstáculo pra mim é o bacalhau... podem me prender, me xingar, mas eu não consigo ser louca por essa iguaria tipicamente natalina do mesmo jeito que sou pela ave Chester! ou pelo peru!
Não demorou muito tempo e eu estava assumindo todo o controle da cozinha nas festas de final do ano, assim que completei 14 anos e com ajuda da minha mãe fiz meu primeiro curso de culinária, esse curso serviu mais pra aperfeiçoar o que eu já sabia e acrescentar o domínio com aquele faqueiro medonho. Taí uma coisa que me deu uma surra daquelas até eu aprender e dominar; qdo completei 16 eu já estava na minha terceira especialização, dessa vez em culinária internacional. Já tinha passado semanas em alguns lugares do Brasil aprendendo de tudo, o que tava causando uma certa surpresa nas pessoas porque eu era muito nova e já estava tão dentro desse mundo tão mágico pra mim. E eu não queria sair do país sem antes ter aprendido tudo e com todos, convites não faltaram;
Até que o inevitável e até então impensável aconteceu, eu já tinha feito todos os cursos disponíveis em solo brasileiro... eu comecei a trabalhar na área ainda em casa e depois deu completar meus temidos 30 anos decidi me presentear com uma viagem pra fora do Brasil e pensar no que eu faria dali por diante, já tinha um pequeno bistrô e meio que estacionei de tão urgh que fiquei.
Quando todos pensaram que eu iria pros EUA, Disney ou sei lá mais onde, eu arrumei uma mala de mão, uma mochila e parti pra conhecer meus lugares de sonho distante: Colômbia, Chile, Peru, México, Argentina e quando pensei que iria voltar pra casa depois de um mês viajando, eu recebi um singelo convite pra conhecer a Geórgia. Situando bem no mapa, olhando bem pro canto direito dele, a Geórgia faz fronteira com a Rússia ao norte, Armênia, Azerbaijão e Turquia pelo sul, tem uma culinária regional que é o meu sonho desde que conheci através de Pedro Andrade.
Assim que o convite foi feito, eu só pesquisei minha conta bancária e quando seria o próximo vôo até lá. Não podia deixar passar uma oportunidade dessa, faria 3 semanas de curso num dos poucos restaurantes especializados na culinária ancestral do país; antes de sua independência vir, em 1991, ela foi uma das repúblicas da União soviética e viveu fechada pro turismo e pro mundo por mais de 50 anos, então quando essa porta se abriu... acredite, ela não vai se fechar tão fácil assim. O país tem belezas que são de tirar o fôlego, acreditem, por isso que eu não pensei 2x antes de aceitar o convite;
E foi durante minha estadia por lá, durante as festas natalinas, que eu só pensei: o quão interessante seria se existisse em algum lugar do mundo um restaurante servindo somente comidas natalinas? mais igual aos filmes natalinos que tanto amo e isso durante o ano inteiro!? claro que trabalhando também com as demais especialidades, mas entrar num lugar todo decorado com muitas luzes, guirlandas, enfeites... com cheiro de rabanada e biscoitos de gengibre...
Mas não contei a minha ideia pra ninguém, voltei pro Brasil e trabalhei mais uns 3 anos quase até encontrar uma dessas cidadezinhas minúsculas que vivem pro natal e decidi ir conhecer pessoalmente. Rapaz... eu me apaixonei perdidamente pelo lugar, o clima era a perfeição pra mim, fazia frio o ano inteiro, uns dias mais outros menos mas era frio o ano inteiro! Todos os moradores dali se conheciam desde que a cidade surgiu, apesar de ser puramente turística o ano inteiro, todos se conhecem e eu descobri ainda que tinha uma oportunidade de renovação pra mim e pra cidade.
Eu passei pouco mais de 3 semanas hospedada numa pousada linda, todos os dias que antecederam o natal foram repletos de eventos e comemorações dessa data tão especial. E nesses dias que fiquei por lá eu fui conhecendo cada cantinho existente e me rendendo a todos os seus encantos e charmes, até que fiquei sabendo de uma loja bem antiga que estava vazia desde a morte de sua dona e de mão haver nenhum familiar interessado nela. Ela tinha a única loja de doces da cidade e desde então eles estavam sem e importando de outras cidades por não ter nenhum interessado em continuar esse projeto; eu acho que ouvi sobre esse lugar na minha primeira semana de estadia aqui, e passei todo o restante dela conversando com todos os envolvidos e silenciosamente planejando tudo. E quando eu entrei em contato com eles, poucos dias depois do ano novo, tive a certeza de ter feito a coisa certa;
Fiz uma oferta pelo espaço e junto dela, enviei um plano de negócios para o lugar, eles não queriam vender o lugar pra qualquer pessoa por medo de colocarem abaixo tudo pelo que estavam lutando pra manter. E em menos de um ano toda a estrutura estava pronta e eu junto pra me mudar de vez pro fim do mundo segundo minha mãe, que de início só iria pra me ajudar por 3 meses e acabou ficando por quase 1 ano por gostar muito do que estávamos construindo;
Na data marcada pra inauguração o dia não amanheceu, e não é ilusão eu dizer isso, estava sendo esperado pra aquela semana uma nevasca de alerta médio na escala e no dia que ela chegaria o dia não amanheceu... o relógio da casa marcava 7 da manhã e estava tudo escuro, mas a cidade já estava a todo vapor e eu não agi diferente. Fizemos nosso famoso e muito cheiroso café preto, pão torrado na frigideira com manteiga e queijo da fazenda da cidade; pra esse dia preparamos um cardápio bem tradicional do Brasil com algumas misturas do país, sem falar dos doces que passamos os últimos dias preparando.
Na hora que combinamos pra abrir as portas, eu não tinha olhado ainda pro lado de fora mas todos estavam ali, ansiosos pra me conhecerem um pouco mais e conhecer mais sobre a minha cultura que eu estava disposta a apresentar. E foi nesse dia que eu tive a absoluta certeza de que escolhi certo o lugar, a proposta a ser apresentada e as pessoas que trabalham comigo;
Poucos dias depois da inauguração, já tinha fila se formando do lado de fora! fomos, aos poucos, percebendo que a cidade pode ser pequena, mas ela tem a sua magia, porque em determinados feriados não se encontram quartos disponíveis. Quem faz reserva antecipada é o sortudo, fila de espera aqui é comum! sem falar que somos em 3 restaurantes e tem clientes pra todos nós. Nos dividimos em especialidades e a única que não trabalha no horário da manhã sou eu mas também sou a única que fica aberta até depois do horário habitual por causa das entregas; nós três pegamos encomendas de doces pra quase todas as pousadas e hotéis da região mas somente o meu pessoal é quem faz as entregas.
E foi numa dessas noites frias e com nevasca  de início do mês de dezembro que eu a conheci, estávamos a 1 hora de encerrar com os clientes no salão e começar a separação para as entregas que ela entrou no meu bistrô, toda esbaforida de tanto tremer e com aquela vergonha imediata porque assim que ela passou da porta, todos olhamos! não só por sermos uma cidade pequena, mas tudo aqui depois das 9 da noite fica morto!! morto num nível que se alguém gritar há 6km daqui vamos ouvir, então ela ter entrado desse jeito foi tudo, menos comum. 🤭
Eu tava no balcão recolhendo os pratos dos últimos clientes que saíram quando ela se aproximou perguntando onde ela podia achar uma cama... eu fiquei parada ali olhando até ela entender que deveria formular melhor a sua necessidade, mas eu entendi o que era. Ela precisava de um lugar pra ficar e com certeza não era daqui, pedi que sentasse e recuperasse o ar enquanto eu tentaria ajudar; isso, depois de confirmar que ela estava sozinha e não vestida para o frio que fazia lá fora. Ela estava muito linda, vestia uma calça de moletom preta, um tênis de pano meio marrom mas devia ser pela neve, usava uma blusa de manga curta e muito fina junto de um casaco que não a esquentava muito;
Vivien é a quarta geração de donas de uma das pousadas mais antigas e que irei entregar os doces, assim que liguei ela já estava achando que não iria conseguir entregar nada, mas contei da situação e ela confirmou ter apenas um quarto vazio e que foi desistência de última hora, mas que como era um pedido meu não ligaria pra primeira pessoa da lista de espera;
Foi estranha a sua reação quando contei que tinha conseguido, ela se jogou por cima do balcão e me abraçou... isso me causou uma explosão de sentimentos que nunca senti antes. Não que eu nunca tenha me apaixonado antes, mas eu posso dizer que nunca senti o que eu senti quando ela me abraçou; depois de passada essas emoções e resolvido onde ela iria dormir, pedi que preparassem seu jantar e conheci um pouco mais da sua história e o que ela estava fazendo aqui. Normani é uma das cantoras mais bem pagas do mundo musical atual, eu não tinha a reconhecido quando entrou mas depois dela se livrar daquele casaco e eu pude ver seu rosto, travei na hora! o que ela está fazendo nessa cidade tão escondida de tudo e de todos?!
Ela me contou que estava no meio de uma viagem de negócios com sua mãe e produtora quando algo saiu muito errado durante uma reunião. Entre choro e soluços, entendi que ambas, estavam fechando trabalhos que ela não faria nem por um decreto e ficando com quase todo o dinheiro dela; assim que descobriu isso ela disse que só fez 3 coisas, reuniu todo o dinheiro que sobrou numa única e nova conta, as denunciou pra polícia e entrou no carro sem destino certo. Bom, até que ela veio parar aqui em Almonte, com o desejo de passar despercebida e de tentar esquecer o que aconteceu; preparei um prato com o que ainda tinha nas panelas e a deixei saboreando tudo enquanto terminava de arrumar as caixas nos carros. Primeiros dias do mês é sinônimo de turistas chegando na cidade e aumento de movimento, aumento das encomendas e contagem regressiva para o natal...

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