Capítulo Único

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 "Você é louco. Só pode estar completamente fora de si.
" — o pensamento lhe ocorreu pela terceira vez desde que deixara o calor confortável de sua casa para andar a passos rápidos pelas ruas praticamente desertas da Capital. Já passava da meia noite e um conhecido ditado popular dizia que já era hora de crianças e jovens irem para cama. Sejanus Plinth, porém, era uma exceção à regra naquele início de madrugada. Era isso que os nós vermelhos de seus dedos, já doloridos pela força com a qual segurava as alças da mochila que carregava, anunciavam. Não tardou até que a visão dos portões do zoológico se tornasse possível. Conforme a circulação de adrenalina aumentava em suas veias, ele apertou o passo. 

 Sejanus já havia dito e feito muitas coisas consideradas anormalmente perigosas antes. Ainda que isso fosse uma verdade inquestionável, a ideia de entrar às escondidas em um local monitorado faltando tão pouco para o início dos Jogos Vorazes soava mais assustadora do que quaisquer um de seus atos anteriores. Não obstante, já estava decidido quanto a isso e quando Sejanus se decidia sobre algo, não havia no mundo quem o fizesse voltar atrás. Entraria naquele lugar de qualquer jeito. Entraria naquela jaula não importando o custo. Se estava enlouquecendo de toda forma, que se atirasse a loucura de vez. Se era a única possibilidade que conseguia enxergar de resolver aquele maldito impasse com ele, então que assim fosse.

 Já fazia um tempo desde que uma questão inacabada o assombrava, muito antes do anúncio da Colheita daquele ano. Ele era sua questão inacabada, junto com seu antigo lar em comum. O abandono e a traição da família Plinth aos Distritos em prol de uma vida segura na Capital foi o início de todas as muitas questões inacabadas que lhe assombravam; o primeiro dos mais significativos fantasmas que seguiam Sejanus para onde quer que fosse desde seus 8 anos. Ele tinha noção de que a situação escapava de seu controle; um jovem carece de voz em um mundo de jogos de poder muito mais complexos do que se pode imaginar e ele sabia disso. O peso da realidade, por outro lado, fazia tal pensamento racional parecer turvo e a culpa não hesitava em invadí-lo a cada oportunidade. A situação era naturalmente sufocante, era verdade, mas se tornou insuportável desde que um cidadão específico do Distrito 2, lugar que um dia já pôde chamar de "lar", desembarcou num trem cargueiro e foi jogado em uma jaula de macacos em um zoológico público. O nome dessa pessoa era Marcus.

 Muitas coisas tornavam a situação torturante: o distanciamento, a impotência de vê-lo tão fechado e visivelmente disposto a ignorar sua existência e tentativas de ajuda, o estado em que seu ex-colega de classe se encontrava e a forma com a qual era tratado como menos que um verme ou uma atração de circo. Tudo isso era doloroso demais para suportar com abordagens convencionais e que já haviam se provado inúteis. Sejanus estava desesperado. E por isso estava apelando para soluções desesperadas.

 — Não acho que tenha volta, de qualquer jeito. Então, vamos lá, você consegue. — O garoto murmurou para si mesmo, os olhos fixos no caminho a sua frente enquanto tentava convencer-se de que tudo ocorreria bem.

 Com um último suspiro pesado, Sejanus desviou seus passos da estrada que levava à entrada principal do zoológico, entrando em meio às árvores que circundavam o local. Ele imaginava que o objetivo era dar ao ambiente um ar de natureza livre, mas, em sua concepção, só tornava-o estranhamente destoante de todos os demais locais na Capital, tão mais urbanizados. Ironicamente, se identificou com aquele cantinho deslocado, mas decidiu deixar os devaneios de lado para voltar o foco para a única coisa que importava naquele momento: chegar ao outro lado do muro do zoológico sem ser percebido.

 O Distrito 2 não era bem o que podia se chamar de área florestada, mas as árvores frutíferas que embelezavam o antigo jardim dos Plinth tinham sido boas professoras de escalada. Sejanus não se considerava um mestre, mas sabia o suficiente para não ter dificuldades em escalar uma das árvores próximas ao muro. Uma vez em cima dele, não foi complicado alcançar o chão do zoológico de maneira silenciosa; agarrar-se à beirada do muro para diminuir a distância entre si e o solo e soltar-se foi mais do que o suficiente para entrar no ambiente sem produzir barulhos desnecessários. Assim que se viu dentro das dependências do local, se certificou de ajeitar o capuz da blusa, de modo que sua imagem não pudesse ser reconhecida com nitidez caso tivesse o azar de ser capturado por alguma câmera escondida.

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