ANTI-HERÓI

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"As melodias tão vazias

Longe dos teus escritos

Nós dois juntos sempre fomos

Nossos artistas favoritos

Se eu me perdi em outros lábios

Foi pra te prender me odiando

Foi um grito, ainda te espero

Pra ainda escrever latino americano

Eu tento mas nunca me lembro

Do que eu era antes de você

Esse antes de dezembro

Não sabia nem reconhecer

E se eu não gostar de mim?

E se eu for mesmo tão pequeno?

Eu não devia questionar

Me desculpa mesmo


Uma noite no alto de um prédio

Vendo a cidade por cima

Você diz se a gente aprende

A voar na descida

E você foi tão mais alto

E eu fiquei com o que dói

Em queda livre, eu sou mesmo um anti-herói"

(Jão)


Sempre me enturmei facilmente, mas fazer amizade era algo mais difícil, e isso já era assim quando eu não era ninguém, quando não podia oferecer muita coisa além de atenção e tempo. Quando você tem mais do que isso a oferecer é ainda mais difícil deixar que as pessoas se aproximem.

Não é como se naqueles primeiros meses não houvesse ninguém importante ali, havia os colegas da banda, da produção, um ou outro ficante que durou mais do que uma noite, embora nenhum tenha passado de três semanas.

Na maior parte do tempo não dava para pensar naquelas coisas. Os dias eram repetições de acordar (muitas vezes de ressaca) entrevista, ensaios, festas, composições solitárias, shows, gravações.

Era raro que eu pensasse na família que deixei para trás, em Juleika, que era tão próxima que era parte de mim, ou em garotos loiros e corações partidos. Mas sempre havia tempo para pensar em Viperion e Sass, provavelmente era daquilo que eu mais sentia falta. E era com aquela lembrança que eu me esgueirava por prédios diferentes toda semana, e que eu ficava em pé perigosamente nas muretas de proteção, observando a cidade de cima, porque aquilo era o mais próximo possível que eu chegaria da sensação de pular de um prédio a outro, de correr por telhados na madrugada.

Se em Paris eu era Viperion, em NY eu me sentia mais como um Anti-herói, solitário, quebrado, em queda.

Quando olhava para o público feliz, cantando minhas músicas, tudo tinha valido a pena. Tudo o que tinha deixado para trás, tudo que tinha abandonado.

Quando sai de Paris, dois dias depois do Show que tinha marcado meu término com Adrien Agreste, estava cheio de dúvidas. Não tinha certeza se estava pronto para deixar tudo o que eu conhecia, parecia que era por vingança, mas eu sabia que era só minha cabeça inventando desculpas para não me afastar, para não deixar Adrien. Só que eu já tinha feito aquela escolha antes, e tudo o que ganhei foi infelicidade.

Quando as luzes se acendiam no palco e se apagavam na plateia, quando eu lamentava no microfone e via as lágrimas nos rostos próximos ao palco, aquelas coisas faziam valer a pena.

Andar pelas ruas cheias e ser reconhecido, e ainda assim ser tratado como alguém normal. Pessoas tentando pagar meu café no Starbucks, telefones anotados em copos de isopor e sorrisos contidos quando uma garota demonstrava interesse. Mãos em meu peito e sorrisos lascivos quando um cara me queria. Coisas simples, que faziam aquela vida valer a pena.

Mas era uma vida de shows lotados e casa vazia.

Silêncios opressores, embora a música que tocasse na festa fosse ensurdecedoramente alta. Noites solitárias, mesmo com uma casa cheia de gente. Cama gelada, não importando quem ou quantas pessoas houvessem nela.

Mas o tempo pode curar até mesmo essas coisas, menos a solidão, e é a solidão a melhor amiga dos músicos e dos poetas, que eu nunca pensei serem tão diferentes assim um do outro.

Se em Paris eu tinha alguém que me inspirava a escrever, em NY era sua ausência que ocupava as linhas de meu caderno, as faixas dos meus discos, os prêmios na minha estante, então, até mesmo ali, tudo de uma forma ou de outra girava em torno dele.

Já não sentia sua falta, não como tinha sentido no início, mas mesmo as coisas ruins pareciam melhores agora, como se a lembrança aumentasse até mesmo as tristezas. E eu usava aquela sensação para escrever para compor canções maravilhosas que aqueceriam o coração de outras pessoas. Falava de amores impossíveis, verões inesquecíveis, ou mesmo de coisas simples, como o cheiro dele nas minhas roupas, a lembrança das costas dele deitado em minha cama. Coisas bobas, coisas simples, coisas que um dia foram importantes. Coisas que eram passado.

Amor PirataOnde histórias criam vida. Descubra agora