1. Detenção.

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Música sempre foi um escape, desde que me conheço por gente. Quando nem sabia o que era escrever já inventava músicas com as poucas palavras que conhecia, batucava em baldes e tocava uma guitarra imaginária pelos cantos da casa.

Dentro de casa era uma briga, fui crescendo e expandindo a vontade, um violão de presente, de karaokê em karaokê, folhas e mais folhas amassadas com letras que nem me lembro mais. Para papai era um problema, o incentivo de meu avô o fazia ferver de raiva. Ele não teria uma musicista na família, afinal isso não dá dinheiro e te leva para maus caminhos. Claro.
Não deixei de treinar, de escrever, de praticar, fui ficando cada vez melhor, minha família reconhece isso. Talvez esse seja o motivo do rompimento, há seis meses minha mãe gritou que escolheria a mim mil vezes antes de pensar nele. Muitas lágrimas e gritos depois, divórcio.

Tudo isso coincidindo com a morte do meu avô, acho que foi uma avalanche. Uma bola de neve enorme caindo em cima do casamento dos dois.

Finjo não me importar.

Estar atrasada para o primeiro dia de aula não é uma excessão, é uma regra. Não gosto do esteriótipo de "garotas rebeldes vão mal na escola e fazem tudo errado" como sempre me colocaram, mas o primeiro dia de aula no terceiro ano me toca em lugares que não quero encarar. Último primeiro dia. Que loucura.
Minha mãe esmurrando a porta do quarto é o combustível para levantar da cama, já que a porta parece que vai cair a qualquer momento.
Em meio a livros e roupas no chão, consigo achar o uniforme e um moletom qualquer com estampa de gatinho. Passo por minha mãe aos gritos ainda na porta.

- Yoo Jeongyeon, você está super atrasada! - diz enquanto corro em direção ao banheiro - Cadê o seu juízo?
- Mãe... - resmungo enquanto escovo os dentes ao mesmo tempo.

O reflexo não é dos melhores, a cara amassada e o cabelo despenteado fazem parecer que adormeci no meio da rua durante o carnaval e fui arrastada até em casa depois de encher a cara.

- Você não pensa que esse é o seu último ano? - mamãe não deixa o sermão de lado - Não pode colocar em risco o seu último ano!
- Tá certo, relaxa! - faço sinal para que ela fale mais baixo, uma veia enorme pulsa em sua testa.
- Relaxar com uma filha dessas? - resmunga enquanto vai até a fruteira - Vou enfiar isso aqui, porque sei que você não come nada que preste! Nada! - em questão de segundos ela enfia uma maçã dentro da minha mochila e fecha o zíper, não ouso recusar.
- Não me espera acordada, tem ensaio da banda! - digo colocando a mochila nas costas.
- Ensaio? Hoje??

Já estou longe demais para ouvir mais reclamações, mamãe ficou sozinha provavelmente me praguejando enquanto arruma a marmita ou procura chave do carro, as vezes são os dois ao mesmo tempo.

Uma caminhonete preta um pouco desgastada para em frente ao portão, minha carona chegou. Finalmente.
Jihyo é minha melhor amiga, moramos na mesma rua desde sempre e nossos pais se conhecem a milênios.
Ela é forte, braços de baterista, vive de cara fechada e a cicatriz na sobrancelha é o que fecha o visual. As pessoas me acham intimidadora pelo tamanho, mas ela é uma das únicas pessoas de quem eu tenho medo.

- Te liguei umas 3 vezes, só caixa postal... Pra que celular? - ela arranca em direção a escola.
- Relaxa, 5 minutos a gente chega... Tá de mal humor?
- Pergunta pra essa idiota aqui atrás... -  Jihyo faz um gesto com a cabeça, então finalmente noto nossa amiga meio sentada, meio deitada no banco de trás do carro.

Sana tem o cabelo vermelho vivo, o que concordamos que combina muito bem com sua personalidade, sempre de lápis preto, o mesmo coturno preto surrado e um colete com bottons veganos. Nossa guitarrista e melhor amiga desde os 15 anos.

Até o som acabar | 2yeon ficOnde histórias criam vida. Descubra agora