Meu Ponto de Partida

Uma árvore de estrelas

Gael 29/11/2023

-Você não faz faculdade, não trabalha e só fica em casa- Ouço ele dizer a mesma coisa novamente. Preciso respirar fundo. Achei que seria melhor depois do quebra-cabeça, mas apenas piorou - Você não faz nada só porque sua vida é perfeita- A minha cabeça vai explodir...

Me levanto do sofá e vou para fora de casa. Ao ar livre sinto que consigo respirar. A dor de cabeça diminui.

Você só fica em casa... Você não faz nada...

Preciso respirar, preciso olhar para cima, meus olhos estão marejados. Não quero chorar, mas é mais forte do que eu.

Minhas pernas estão fracas, caio de joelhos e as lágrimas acompanham a queda. Quero parar de chorar, mas não consigo, estou cheio. Estou com as mãos no rosto tentando tampar a vergonha quando ouço passos chegando.

-Me desculpa, não fui bem educado quando era vivo- Gabriel chega e senta ao meu lado e permanece em silêncio- chora à vontade, é bom pra alma.

Continuo chorando pelo que parece uma eternidade, mas uma hora consigo parar, ainda me sentindo pesado e olhando para o chão pergunto para ele:

-Já se sentiu assim? Vazio por dentro?

Gabriel continua olhando o horizonte, o céu ensolarado.

-Já, várias vezes.

- Como fazia pra isso passar?

-Não fazia- Gabriel se levanta- Com um tempo percebi que apenas me afastava do problema, sabe, sair de casa, ir pra balada, beber e curtir apenas para esquecer o mundo- Ele estica a mão, mas levanto sozinho.

-Quando isso acontece eu como pipoca, me ajuda.

-Por que você tava chorando? - Gabriel se aproxima.

-...Você, você sempre está aqui, não consigo mais ficar sozinho e mesmo quando estou sozinho sei que você está ali, você me sufoca além de dizer verdades que me machucam, sei que sou inútil, não precisa jogar na cara.

Gabriel se aproxima, mas apenas me afasto e volto para casa.

03/12/2023

-Me desculpa- Ouço Gabriel dizer enquanto como pipoca- Não fiz por querer, me desculpa- Gabriel continua olhando para mim, mas ignoro- Faz dias que você não fala comigo!

Abaixo o olhar. Olho para Gabriel.

-Você apenas disse, depois de me ver chorando, que minha vida é deprimente- Gabriel parece se sentir arrependido- Só porque eu não gosto de festas, nem de beber ou fumar, além de que gosto de piano e sorrio vendo o céu.

Gabriel parece pensativo, está pra baixo e se senta ao meu lado no sofá.

-Esse é um dos motivos para eu está aqui, e falei isso apenas porque vi você tentando tirar o barbante- Gabriel se vira pra mim- Sei que somos bem diferentes, com você quero aprender qual é o valor da vida. Por isso vamos começar a trabalhar na segunda meta.

...............

10/12/2023

Preciso respirar fundo. Sinto minha barriga remexendo me dando enjoo. Disse ao meu pai que vou ao shopping, ele me deu dinheiro e disse para tomar cuidado. Mas o Gabriel mudando de roupas em um piscar de olhos me faz lembrar que menti, não vou ao shopping, vamos fazer a segunda meta.

Meu pai da carona pra gente até ao shopping, me sinto mal, mas tento não transparecer. Dou tchau quando meu pai sorri e novamente fala para tomar cuidado. Entro no shopping.

-Não se preocupe, seu pai ama você e você não mentiu pra ele, nós vamos passar pelo shopping- O shopping da acesso a uma rua que leva para o monte que queremos ir.

Atravesso o shopping com cuidado, as decorações de natal já dominam todo o lugar. A árvore de natal gigante no centro do shopping o ilumina trazendo uma luz de esperanças. Observo a decoração que chega ao último andar onde um treno felpudo com um Papai Noel e renas de pelúcias parecem voar...

-Desculpa- Digo quando esbarro em um cara mais ou menos da minha idade.

-Desculpa? - Olho para ele estranho como a resposta que recebo- Você esbarra em mim como um babaca e quer pedir desculpas! Olha o que você fez com a minha roupa- Olho para onde ele aponta e vejo um leve amassado- Agora está tudo estragado graças a você, um garoto inútil...

Olho para o chão, meus olhos marejando. Volto a olhar para cima quando ouço ruídos, vejo Gabriel dando vários socos nele, mas infelizmente os socos atravessam, não consigo conter o sorriso.

-Agora vai chorar? E ainda sorri pra mim? Nojento...

Ouço atento as palavras, elas vão e vem inúmeras vezes na minha cabeça e minha única reação é sair correndo.

Corro para fora do shopping, corro pela rua e subo o morro. Finalmente ali no topo acho um lugar onde estou sozinho e consigo desabar.

Volto a está de joelhos, a mão no rosto enquanto choro. Sinto uma mão em meu ombro, ergo os olhos e vejo Gabriel se aproximar do topo do morro. Respiro fundo e ainda chorando me aproximo. Ao chegar no topo consigo ver toda a cidade brilhando, é lindo, daqui consigo ver as ruas e os prédios, além das grandes decorações de natal dos shoppings e do centro.

Não consigo tirar meus olhos da cidade, apenas quando ouço.

-Você é melhor assim, sorrindo.

Olho para Gabriel, ele senta e me chama para sentar ao seu lado.

-Ignora aquele cara, é apenas mais um babaca no mundo que se importa apenas com si próprio.

-É que é cansativo sempre ouvir que sou nojento, por insinuar ou apenas parecer que gosto de homem...- Um denso silêncio surge.

-Mas você gosta? - Gabriel quebra o silêncio.

Vejo os olhos do Gabriel, o que acredito ser eles de cor azul, como ele todo. Ele se certificou de estar arrumado. Ele está com uma blusa de frio preta e uma calça esportiva da mesma cor, usa um tênis também preto e um gorro da mesma cor, o gorro deixa escapar pequenos cachos de rastafári para fora, ele está sorrindo e é... Bonito.

-Gosto...

-Vai acontecer! - Sou desperto dos meus pensamentos quando ele fala sobre o motivo de termos vindo hoje.

Olho para a cidade e em um piscar de olhos todas as luzes se apagam. Ele não soube me explicar como sabia que ia acontecer, disse que apenas sabia. Agora podemos fazer a meta.

Observar o céu estrelado.

Olho para cima e sinto meus olhos marejarem novamente, mas é de felicidade, me sinto feliz, não consigo parar de sorrir, é lindo. Sem a luz da cidade o céu se enche mais de estrelas... Me viro rápido quando sinto algo me tocar. Observo e vejo Gabriel olhando para as estrelas, tímido, enquanto sua mão toca a minha... A mão não atravessa a minha e consigo sentir o toque quente de sua mão. Me viro e volto a olhar as estrelas, agora mais feliz e aquecido.

Essa é dois de quatro...