Encontro

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Gael          18/11/2023

O dia se torna frio ao nascer da noite. No horizonte o sol se põe.

Estou aqui, sentado, esperando, apenas aqui. Já tem alguns anos, mas ainda sinto e sei que sempre vou sentir. Sei que vou, pois ainda estou vivo...

Me afasto rápido, um barulho vindo do arbusto me faz levantar. Observo e não vejo nada, logo volto e me ajoelho, me ajoelho perante o túmulo da minha mãe. A foto sorrindo é a mais bonita que já tirou. Lembro que fomos ao zoológico. Não consigo conter um sorriso, mas também um pesar que surge na mente, me prendendo ao chão, mas preciso levantar. Ela iria querer...

Olho para o arbusto. O barulho vem dali.

Me afasto lentamente observando o que está ali... Dou um leve salto quando vejo um jovem surgir, a luz do sol já está fraca, não consigo ver o rosto dele. Ele anda solto e confiante e senta ao lado do túmulo da minha mãe, continuo longe, respirando fundo até ele falar:

—Então essa é sua mãe, você a amava, né?— O jovem se apoia nos braços e estica as pernas— Ela é uma pessoa boa, nem precisou esperar— Gael permanece parado, não consegue falar nada— Mas com dinheiro e uma boa família quem não consegue ser bom?— O jovem senta de pernas cruzadas— Você é mimado, gostei!— Ele se levanta, caminhando até mim com passadas longas, tocando em meu pulso. Me solto dele e sem olhar para trás corro!

O que será que ele queria de mim? Ele me tocou!

Olho para onde fui tocado e percebo algo que não estava ali, um barbante vermelho, tento puxar do meu pulso, mas está bem preso.

Será que foi ele? Quem é ele? E por que estava falando da minha mãe?

Respiro fundo. Hoje não é um dia para se estressar. Vou para casa, mas antes, mesmo estando fora do cemitério, me despeço.

—Bom descanso e feliz aniversário, mamãe...

19/11/2023

Me sento e ligo a televisão. Ainda não consegui tirar o barbante. Mesmo com tesoura ele não sai. Meu pai me perguntou onde consegui, respondi que foi no cemitério, não dei mais detalhes, não conseguiria mentir para meu pai.

Coloco no canal de filmes, está passando a fantástica fábrica de chocolate, meu pai adora esse filme, mas agora está trabalhando. Assisto sozinho.

—♫Mastigando sem parar♫— Canto junto com o filme enquanto vejo a menina que virou uma grande bola roxa ser rolada.

—♫Mastigando sem parar...

Me viro rápido. O que foi isso? Eco? Não, não foi a minha voz. Será se alguém invadiu minha casa...

—Eae!

—Ah! — Grito por reflexo enquanto caio no chão. Vejo um garoto sentado no sofá, ele parece ser meio transparente e azul e me olha alegre.

—Que foi? Assustou? Fica tranquilo cara, foi nada demais— Ele ergue a mão para mim— Aliás me chamo Gabriel, a gente se conheceu no cemitério ontem.

—Você! — Ele é o cara que falou mal de mim e da minha mãe, ele me desrespeitou e brincou comigo. Olho para o garoto e não consigo fazer nada.

—Sim, eu! Não seja mal educado e retribua— Ele fala com desdém, mas não aperto a mão, continuo no chão evitando olhar para ele enquanto me pergunto como ele entrou aqui e o que quer comigo— Não vou te fazer mal, pode acreditar, o presente que te dei é uma prova de que quero ver você feliz.

Sigo seu olhar até o barbante. Não consigo falar nada, mas minha expressão deve ser de medo e surpresa, pois ele fala:

—Logo irá entender.

Continuo olhando para o chão, focado, respirando fundo, segurando para não vomitar. Olho para cima e o garoto não está mais lá. Me levanto rápido olhando para os lados até chegar no quarto, onde me cubro todo com a coberta.

Anoitece, ouço passos e permaneço em baixo da coberta. Até algo chegar em meu quarto e se aproximar lentamente da cama...

—Pai! — Grito enquanto o abraço.

Ele retribui o abraço. Me olha atento, seu rosto é de preocupação.

—Tudo bem? Parece meio pálido.

Não está tudo bem! Tem um garoto na nossa casa, invadindo. Penso enquanto vejo em cima do guarda-roupa ele surgir.

—Ah! — Solto um grito abafado pela mão que cobre minha boca. Meu pai olha para lá, mas não tem a mesma reação.

—O que aconteceu?

—Ali! — É a única coisa que consigo dizer.

Meu pai se aproxima do guarda-roupa, passando a mão em todo ele. Ele está de frente para o garoto e não o vê. Sua mão passa as vezes pelo garoto, mas ele não o sente. Respiro fundo, me controlando.

—Não tem nada aqui filho.

Olho para meu pai e para ELE no guarda-roupa. Respiro fundo.

—Obrigada pai— Digo, meu pai se acalma e abrindo um sorriso me abraça.

—Daqui a pouco a janta vai estar pronta— Diz enquanto me beija na testa e sai do quarto.

Quando volto a olhar o guarda-roupa percebo que não há nada ali.

20/11/2023

— Você gosta de filmes de fantasia?

Jogo a pipoca alto quando o escuto sussurrar. Mas apenas largo tudo ali e volto para o quarto e me embrulho.

21/11/2023

— Não sabia que você tocava piano.

Erro a nota quando o ouço novamente, como ontem me recuso a procurar onde ele está e apenas me levanto, vou para o quarto e me embrulho.

22/11/2023

— É grande em!

Me desespero e logo não consigo mais fazer xixi, visto meu short e saio do banheiro. Vou para cozinha beber um copo de água e vou para o quarto, me embrulhar...

—Deixa de ser medroso, não vou fazer nada.

Ignoro e continuo embrulhado.

25/11/2023

Fazem dias que o ouço e o vejo, faz poucos dias desde que deixei de me esconder na coberta, não funciona. Agora apenas preciso tolerar ele, seja lá o que ele for, pois não consigo me livrar dele.

Quando ele aparece fala sobre ele mesmo. Meu pai parece não ver ele e ele atravessa meu pai. Quando tento tocar ele minha mão não atravessa, não sei o que ele é.

Ele é intrometido. Ontem ele mexendo no meu quarto achou uma lista que fiz no início do ano. Ele leu todas as minhas metas e tirou as que não gostou e deixou apenas a que gostou e quer fazer até o final do ano. Depois de horas de insistência e uma noite mal dormida aceitei. Agora estou aqui tentando montar um quebra cabeça de mil peças.

—Isso, essa peça é aí— Fala, olho para ele e ele responde—Não consigo ajudar— Ele tenta pegar uma peça, mas sua mão atravessa a peça e a mesa.

27/11/2023

Meu pai me ajudou e ele se mostrou útil. Ele é divertido e até engraçado, mas é muito invasivo.

Na última peça do quebra-cabeça garanti que ele e meu pai estivessem presentes. Meu pai, eu e ele colocamos o dedo na peça e a arrastamos até o local...

—Terminamos! —Meu pai grita entusiasmado e feliz. Enquanto salta comigo. Ele sorri, está sentado na mesa e fala:

— Essa é uma de quatro...

Meu Ponto de PartidaOnde histórias criam vida. Descubra agora