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O dia parecia passar mais lentamente do que todos os outros e minha ansiedade estava me matando. Checava minha roupa, trocava, olhava de novo e trocava mais uma vez. Nenhuma peça me parecia digna de um evento tão importante. Falando assim, parece que eu tô indo pro tapete vermelho do Grammy ou algo assim, mas o meu grande evento é ela. Por fim, decido colocar uma blusa social branca, um colete de lã rosa por cima e uma saia plissada.

Olho no relógio, são 16:30. Calço meus tênis, coloco meus fones de ouvido e subo na bicicleta rumo ao que poderia ser o episódio mais desastroso da minha vida, que me assombraria em todos aqueles pesadelos que me fazem relembrar minhas humilhações.

Depois de alguns minutos pedalando, finalmente, viro a esquina e lá está ela: a casa de Billie.

você

boa tarde, eilish

já estou aqui

Visualizado

Vou estacionar a bicicleta e enquanto me concentrava no ajuste final, desequilibro o guidom. Com um susto, a bicicleta tombou, fazendo com que eu caísse junto. Um grito escapou de meus lábios quando meu joelho raspou no asfalto áspero.

- Andrews? - A voz de Billie faz com que eu me recomponha imediatamente. - Tudo bem aí?

- Sim, é que eu ia estacionar a bicicleta e...

- Caralho. - Ela se aproxima. - Você se ralou feio. Vem, vou te levar pra dentro.

Cuidadosamente, Billie me levantou do chão e pegou meu braço para que eu pudesse me apoiar e chegar até a casa.

Em passos mancos, adentro a casa. Ao passar pela porta, observo o redor maravilhada, os olhos se fixando nos detalhes requintados que preenchiam cada canto. Não pude deixar de notar os lustres reluzentes, as esculturas elegantes e os objetos de decoração meticulosamente posicionados. Era como se cada centímetro quadrado daquela casa exalasse riqueza e bom gosto.

Após mais alguns passos, chegamos ao quarto de Billie. Cansada, ela me senta sobre sua cama e vai até o banheiro buscar o kit de primeiros socorros.

- Eu não sei fazer isso, acho que tem que colocar um remédio aí, sei lá. - Ela diz, com a gase em mãos.

- Aquele. - Aponto para o Merthiolate. Ela me entrega o remédio, fazendo com que nossas mãos se tocassem e meu corpo se arrepiasse. Naquele momento, nossos olhares se encontraram e eu pude perceber seu semblante aflito. Ela parecia... preocupada?

- Obrigada. - Agradeço e começo a fazer meu curativo. Billie pega um controle em suas mãos e levanta da cama, ligando a televisão. Depois de alguns breves segundos de silêncio, "OMFG" do Lil Peep começa a tocar.

- Você escuta? - Ela se senta na cama e eu faço uma cara de confusão. - Lil Peep. Você nunca ouviu? - Balanço a cabeça negativamente e ela solta uma risada. - Então, Andrews, o que você escuta? Eu chutaria música clássica, acho que é a sua cara. Mas você é um mistério, até ontem nem sabia que você falava.

- E-eu amo música. - Minha voz lutava pra sair pela minha garganta, reprimida pelo nervosismo. - Eu tenho uma playlist, você quer...

- Me mostra. - Ela diz, empolgada. - Nirvana, Her's, The Smiths, Lana... É, você tem bom gosto, impressionante. Vamos colocar. - Billie coloca minha playlist na TV, fazendo "Falling in Love" do Cigarettes After Sex tocar.

Estávamos a cerca de uma hora trabalhando em nosso artigo de opinião. "Estávamos", no caso, era apenas eu e meu cérebro. Eilish passou todo o tempo concentrada nas músicas que estavam tocando, acho que ela realmente gostou da playlist. Eventualmente, ela fazia uma pergunta ou outra, mantendo seu semblante sério, mas apenas comentários fúteis para fingir interesse no que eu estava fazendo. Não que isso me incomodasse, claro.

- Aí, Andrews, tá com fome? Vou pegar alguma coisa pra comer. - Ela se levanta num pulo, indo até a cozinha. Minutos depois, volta ao quarto com um saco de Takis e duas latas de refrigerante.

- Obrigada.

De repente, ouvi a porta da frente batendo e uma voz masculina madura dominando o ambiente, Billie parecia nervosa.

- Acho que já deu por hoje. É melhor você ir.

- Tudo bem.

- Eu te levo até a porta.

Saímos de seu quarto e nos deparamos com um senhor grisalho, de expressão fechada, que parecia ser o pai de Eilish.

- Quem é sua amiga? - Ele pergunta, deixando a filha completamente gelada.

- É da escola, pai. Estamos fazendo um trabalho, mas ela já está indo.

O homem assente. Billie me leva até a porta e ao olhar para ela, pude perceber que suas pupilas estavam extremamente dilatadas, dominando quase que completamente a sua íris, um resultado do estado de alerta que aquele homem a havia colocado.

Não trocamos uma palavra. A dos cabelos tingidos voltou para a casa, e eu subi em minha bicicleta, dominada pelos pensamentos de preocupação. O que será que acontece naquela casa?


dear diary - billie eilishOnde histórias criam vida. Descubra agora