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- Bom dia, meu amor. - Minha mãe me acorda pontualmente às 7:10. Meu despertador foi pro conserto desde que meu gato gordo, Gilbert, o derrubou e ainda fez questão de mastigar os fios da bateria. Sinceramente, não sei como ele não passou mal, mas depois de dez anos comendo tudo o que vê pela frente, não me surpreendeu.

- Bom dia, mamãe.

Após fazer minha higiene matinal, vou organizar minha mochila e decido levar meu diário comigo. Quem sabe, esse caderninho pode me ajudar a passar pelas emoções do dia, deixando que eu preencha suas páginas com meus surtos adolescentes.

...

Na escola, vou em direção ao meu armário para pegar alguns livros. A minha primeira aula é de literatura, então é óbvio que terei que ficar perambulando com três livros pesados que fazem meus braços formigarem.

- E aí, delicinha. - Brandon dispara para a garota loira do armário ao lado, Reneé.

- Porra, Brandon, hoje não. A garota fecha o armário com força, como quem quer mandar o garoto para longe.

- Mas e ontem, hein? Você não parecia tão estressadinha quando eu te comi com força. - Brandon diz, fazendo com que todo o seu grupinho de garotos do time de futebol risse alto, incluindo Billie, que apesar de não ser do time, fazia parte do bando e se comportava como o resto deles.

- Você me dá nojo. - Reneé sai bufando com passos firmes, indo em direção ao banheiro mais próximo.

Decido ir atrás dela para ver como estava, pois apesar de não sermos amigas e das minhas habilidades de comunicação não serem as melhores, mulheres apoiando mulheres é o que faz a sociedade se mover em direção ao avanço.

- Você tá bem? Eu ouvi o que ele disse pra você.

A loira estava apoiada na pia, se debulhando em lágrimas. A maquiagem preta que havia feito nos olhos tinha escorrido, fazendo uma completa bagunça. Com os olhos avermelhados, ela se virou para mim.

- Não é justo. Um dia você é uma garota feliz porque o menino mais popular do time de futebol dá em cima de você e te fazer sentir a mulher mais incrível do mundo. No outro, você é uma piranha suja porque não quer transar com ele enquanto está bêbada numa festa que você nem sabe onde é e ainda tem que aguentar ele gritando uma mentira na sua cara, só por atenção.

- É, não é justo mesmo. Mas, Reneé, você é uma menina inteligente, bonita e simpática, que com certeza merece um cara bem melhor do que o babaca do Brandon Quention. Eu me lembro da olimpíada de matemática do ano passado, por poucos pontos você não pegou o meu primeiro lugar. - A garota deixa escapar um sorriso de canto. - Você não pode se deixar abalar assim. Quer consertar a maquiagem?

Ela concorda, então, tiro da mochila meu kit de maquiagem. Não é nada muito sofisticado, apenas um pó compacto, corretivo, rímel e hidratante labial, todos da marca mais barata possível.

- Muito obrigada. Qual é mesmo o seu nome?

- Calliope. Calliope Andrews.

- Calliope... Cali, então? - Eu concordo com a cabeça. - Ok, Cali, a partir de hoje você é meu braço direito.

Não sabia muito sobre a Reneé Rapp, só que os peitos dela tinham começado a se desenvolver antes de todas as meninas da nossa idade e que, por conta disso, assédios se tornaram algo mais comum pra ela do que deveriam ser. Até onde eu sabia, duas garotas viviam ao lado dela, Alyah e Brittany, mas aparentemente a amizade havia terminado, já que as duas estão afastadas dela na última semana.

- Qual é a sua primeira aula? - A loira pergunta.

- Literatura.

- A minha também! Vem, vamos.

Reneé pega na minha mão e vamos juntas até a sala. Ao chegar, sentamos em carteiras uma ao lado da outra, no canto esquerdo da sala. Começo a pensar na coragem que tive de ir ajudá-la e fico orgulhosa de ter conseguido fazer uma amiga. A Calliope de dias atrás nunca imaginaria algo assim.

- Bom dia, Professora Hackett. - Meus pensamentos são interrompidos pela voz doce que eu poderia reconhecer em qualquer lugar.

- Bom dia, Billie.

Eilish chegou à sala acompanhada de seu esquadrão: Brandon, Chad, Isaac, Elijah, Derek e Maude. A última estava segurando sua mão, o que me fez tremer. O grupo ocupou as carteiras do fundo, como o habitual. Notei que Brandon estava encarando Reneé fixamente, deixando-a nervosa.

- Está tudo bem. - Aperto as mãos da loira e ela assente.

A aula seguiu normalmente. Foram cinquenta minutos da Professora Hackett tagarelando incessantemente sobre Shakespeare e a genialidade por trás de "Hamlet", algo que eu definitivamente não estava interessada. Ao tocar do sinal, eu e minha nova amiga saímos da sala e nos despedimos no corredor, após combinarmos de almoçarmos juntas.

Depois de guardar meus livros, olho para o fim do corredor e observo Billie e Maude rindo juntas. As mãos de Billie se encontravam na cintura da de cabelos ondulados, e essa proximidade não me agradava.

...

- Hoje tem sobremesa! Mesmo que seja um pudim de chocolate com gosto de peido, qualquer coisa serve pra tirar esse gosto de pizza queimada. - Reneé comenta, me tirando uma risada.

- Essa coisa mole é demais pra mim, vou ficar com a banana mesmo. - Rimos.

Havíamos nos sentado numa mesa para dois, no canto do refeitório, o que nos permitia ter uma visão privilegiada do mesmo. Reneé para de remexer o pudim de chocolate quando percebe as novas presenças do ambiente. Billie e seu grupo haviam ocupado a mesa central.

- O que tá rolando entre elas? - Pergunto a Reneé, olhando para Billie e Maude.

- Parece que é o novo brinquedinho da Eilish. Nada novo sob o sol, ela arruma uma assim a cada semana. Mas acho que essa daí deve durar. - A loira levanta as sobrancelhas ao ver as garotas se beijando ferozmente, o que gerou caras de espanto e gritos em todo o refeitório. - Além disso aí, eu tenho visto ela comentando nas fotos da Eilish como se fosse um bezerro no deserto. Mas porquê a pergunta?

Antes que eu pudesse responder, Brandon se aproximou da nossa mesa, acompanhado de seus fiéis escudeiros.

- E aí, Andrews. Curtindo a banana? - Ironiza Derek, fazendo com que os garotos rissem.

Sinto meu sangue ferver. Involuntariamente, cerro meus punhos com uma força suficiente para fazer minhas unhas deixarem marcas nas palmas das minhas mãos.

- Então, gatinha... - Brandon apoia seus braços na mesa, deixando seu rosto à centímetros de Reneé. - Estou disposto a te perdoar por mais cedo, se você for comportada. Quero que você venha comigo pra festa de hoje.

Volto meu olhar para a Reneé e percebo o quão nervosa ela está. Seus olhos verdes estão encharcados, é notável a sua luta interna para não deixar as lágrimas caírem. Ver um homem no papel de dominância dessa forma, deixando uma mulher tão constragida ao ponto de nem conseguir rebater, é algo que me dá nos nervos.

- Ela não vai a lugar nenhum com você, seu merda. - Antes que meu cérebro possa decidir, eu me levanto. - Vai embora daqui.

- Uau. - O mais alto bate palmas. - E você vai fazer o que?

- Vai embora daqui, Brandon. - Digo firme.

- Quero ver você me fazer sair.

Tentei manter a calma diante das palavras ásperas de Brandon, mas quando ele cruzou a linha, o que estava engatilhado dentro de mim, disparou. Meu punho voou antes que eu pudesse pensar, se chocando contra o rosto de Quention com um estalo audível. O impacto atingiu seu nariz, que começou a derramar sangue imediatamente.

Os outros alunos do refeitório se voltaram para observar, alguns chocados, outros pareciam divertidos com a cena. Porém, nenhum deles me importava além dela, que também estava me encarando, com uma expressão que não consegui decifrar no momento.

- Isso não vai ficar assim. - Derek dispara, antes de ir socorrer Brandon como o resto dos garotos.


dear diary - billie eilishOnde histórias criam vida. Descubra agora