Sacrifícios.

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- Ótimo, como nos velhos tempos. Estava com saudade disso. Você sempre pega o Billi antes de escurecer e nunca mais aceitou jantar aqui, sempre com alguma desculpa.

- Ei, eu sempre estava ocupada, tá? - Mais uma mentira, só queria evitar tanto contato. Mas olha eu aqui, semanas de esforço sendo levadas por uma leve brisa. Foi tão fácil me fazer ficar? Que frustração.

- Me ajude a tirar as cascas das maçãs.

- Claro.

Theo me ajudou em tudo, e por conta dessa ajuda, terminamos a torta extremamente rápido. Ela estava no forno, e eu e Theo estávamos sentados debruçados sobre a bancada de bandeira que havia na cozinha. Meu irmão e Aerin estavam brincando na sala.

- O cheiro está ótimo.

- Espero que o gosto também esteja.

- É claro que vai estar, você é ótima na cozinha! - Sinto minhas bochechas corarem. Por que qualquer coisa que esse maldito elfo fala faz tanto efeito em mim?

- Obrigada. - Digo em um sussurro.

- Mary, Cristal me mandou um cartão postal. Ela está na pousada dos lírios. No cartão, ela diz que passará para matar as saudades. Legal, né? - Acho que meu coração parou por um segundo. Esse nome que há muito tempo foi motivo de meus pesadelos. Ela está voltando. A garota que me fez sentir inferior e incapaz de fazer qualquer coisa.

- Sim, muito. - Minha mentira parece não ter funcionado.

- Você tá bem?

- Claro, por que não estaria? Acho que tá hora de tirar a torta. - Falando isso, me viro rapidamente para a direção do forno feito de ferro que os pais de Theo compraram há muito tempo de uns anões em uma viagem a passeio. Deixo um suspiro pesado desprender de meus lábios enquanto tiro a torta do forno.

- Mary, você está claramente incomodada. O que aconteceu?

- Não sei do que você está falando, Theo.

- Eu te conheço há muito tempo para saber quando você está incomodada com algo. - Largo a torta na mesa, enquanto Theodor se levanta e vem até mim, ficando assim em minha frente.

- Theo, não é nada. - Tento falar firmemente, porém acabo gaguejando. Theo coloca suas mãos ao lado do meu corpo, que estava apoiando na mesa. Assim, Theo fica com suas mãos apoiadas ao lado do meu corpo e se inclina um pouco para frente.

- Mary, por que você está fazendo isso comigo? - Ele sussurra olhando nos meus olhos.

- Você anda tão distante, me evitando. - Meu coração estava a mil, desconfiava de que Theo poderia ouvi-lo.

- Isso, isso... - Theo abaixa a cabeça.

- Theo... - Levo minhas mãos até o seu rosto e o levanto. Os olhos dele estavam marejados, meu coração se aperta.

- Por favor, não chore. Eu não quis, eu não queria... - Theodor fecha seus olhos e inclina sua cabeça em minha mão, como um gatinho pedindo carinho. Começo a fazer uma pequena carícia com meu polegar em sua bochecha.

- Não me deixe, Mary. - Por favor, não faça isso. Não me peça para ficar, eu não posso. Ficar pode me destruir.
- Theo, eu...

- Por favor, Mary. - Theo agora me encarava, lágrimas prestes a cair de seus olhos cor de esmeralda. Meu coração doía, não poderia fazer isso com ele.

- Theodor, eu nunca vou te abandonar. - Mesmo que me destrua, mesmo que me faça perder minha sanidade, vou ficar ao seu lado, para fazer aquele sorriso permanecer em seu rosto e jamais deixar essas lágrimas voltarem aos seus olhos. Abraço Theodor, ele afunda seu rosto na curva de meu pescoço, sentia suas lágrimas ali. Eu o puxava para mais perto, o apertava mais forte, com a sensação de que isso iria me destruir. Estava amarrando uma corda com uma pedra em meu tornozelo. Eu mesma estava jogando aquela pedra no fundo de um rio. Eu mesma estava me afogando, mas sabia que Theo não se afundaria comigo. Sei que ele agora está na terra seca, bem logo de se afogar. Esse é o preço de sua felicidade, e vou pagar esse preço até o meu último suspiro. Passamos um tempo assim. Theodor já havia parado de chorar, mas continuava me abraçando firmemente, talvez com medo de que eu vá embora, como sempre faço. Desta vez, eu não vou.

- Theo? - Sem resposta. Minha vontade era sair daqui imediatamente. Todos os meus escudos e barreiras que tinha erguido para manter Theodor e todos os sentimentos que tenho por ele longe, viraram cinzas. Por meses, trabalhei para erguê-los, para em algumas poucas horas em que passei com ele, tudo virar pó. Sei que se ficar aqui, tudo pode piorar.

- Theo, as crianças devem estar com fome.

- Eu sei, eu apenas quero aproveitar o máximo. - Não digo nada, apenas continuo abraçada com Theo.

- Obrigado... - Ele diz agora olhando nos meus olhos. Eu apenas balanço a cabeça em afirmação, logo saindo de seus braços. Um choque térmico é o que sinto ao sair do abraço em que nos envolvia. Havia ficado frio, mas não tinha percebido.

- Ficou frio de repente. Vou acender a lareira, podemos dormir todos na sala.

- Tudo bem, já chama as crianças pra mim? - Ele afirma e sai da cozinha. Parecíamos uma família desse jeito. Começo a arrumar a mesa para comermos. As louças da família de Theo eram lindas: as colheres em formato de pétalas, os cabos dos talheres com pequenos detalhes de folhas, as cores da primavera se destacavam. Os pratos e copos, todos de cores rosa e roxo, assim como os talheres, um belo conjunto de porcelanato. Logo escuto as crianças rindo e saltitantes. Elas aparecem no meu campo de visão e logo atrás, Theo.

- O cheiro está ótimo, Mary! - Aerin diz ao se sentar na mesa ao lado de meu irmãozinho. Theo senta na frente da sua irmã, e eu sento ao lado dele que da para a frente de Bil.

- Realmente, o cheiro está maravilhoso. Esperamos que o sabor também esteja bom. - Theo diz com um tom brincalhão em sua voz.

- Não sei qual a dúvida que você tem, minha irmã sempre faz coisas perfeitas. - Não pude deixar de sorrir. Aos olhos de Billi, sou perfeita. Isso é engraçado de pensar...

- Você tem razão, Bil. Só estava querendo incomodar a sua irmã. - Fico surpresa por escutar Theodor concordando com Billi.

- Vocês me superestimam.

- Óbvio que não. Eu e seu irmão estamos dizendo a verdade e o que acreditamos. Você é perfeita em tudo que faz. Só você não vê isso.

- Você se cobra demais. - Aerin dizer aquilo me deixa sem reação. Até mesmo ela?

- Pela mãe, até você, Rin? - A garotinha afirma e dá um sorrisinho tímido.

- Bom, chega desse assunto. Vamos comer.

Obs: A Rin é uma graça💗🥀
Espero que estejam gostando, comentem pra eu saber mais sobre vocês:)

O legado perdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora