42 - isso é o fim?✔️

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O tilintar dos copos e as conversas animadas ao fundo pareciam tão distantes. Eu me sentei em um canto, longe do burburinho, e pedi uma cerveja. Enquanto esperava, olhei pela janela, observando as luzes da cidade piscando na escuridão. Mas a verdade é que minha mente estava longe dali, mergulhada em pensamentos que pesavam como chumbo.

A revelação sobre meu pai biológico me atingiu como um soco no estômago. Durante anos, eu me esforcei para agradar aquele homem que me criou. Tentei de tudo, desde os jogos de futebol na infância até as conquistas profissionais mais recentes. Mas a sensação de que nada do que eu fazia era suficiente me consumia.

“Por que tudo isso parece tão vazio agora?” Pensei com a tristeza me consumindo por dentro. Eu precisava de um tempo sozinho, mesmo vendo o esforço que a Julie fazia para tentar me consolar, tenho a certeza que nem mesmo ela sabe o fazer.

A cerveja chegou, mas eu mal toquei no copo. O gosto amargo da bebida não se comparava à amargura que sentia dentro de mim. A culpa me envolvia como uma névoa densa; eu me sentia responsável por não ter sido bom o bastante, por não ter conseguido fazer meu pai se orgulhar de mim.

Com o peso da revelação sobre meus ombros, decidi que precisava de respostas. Não podia continuar vivendo com essa incerteza e dor. Levantei-me do banco e saí do bar decidido a confrontar meu pai.

Ao chegar à casa dele, fui bem recebido pelo mordomo que me guiou até a sala de estar onde o homem que me criou deveria estar. Um misto de nervosismo e raiva percorria meu corpo enquanto subia os degraus da varanda. Assim que o vi sentado na poltrona lendo um jornal, foi como se eu nunca o tivesse conhecido, o homem pelo qual eu morei quase vinte anos agora é um estranho pra mim

— Malcom? O que você está fazendo aqui? —  ele está claramente confuso como se não soubesse que minha mãe acabara de me contar toda a verdade

— Precisamos conversar — respondi, minha voz tremendo levemente.

Ele hesitou, mas finalmente acenou para que eu entrasse. O ar dentro da casa estava pesado com a tensão não dita entre nós. Respirei fundo e comecei a expor minhas emoções.

– pode dizer filho — ele cruza os braços

— Eu descobri a verdade sobre quem eu sou... sobre você não ser meu pai biológico — Minha voz ecoou pela sala silenciosa. Meu pai, quer dizer, Malique Maloy arqueou a sombrancelha e engoliu em seco sendo pego de surpresa

O olhar dele se suavizou momentaneamente antes de se endurecer novamente.

– isso é alguma piada? — ele ri em nervosismo

– por favor, vamos poupar tempo que tenho certeza que você tem muita coisa importante por fazer

Ele me olhou por alguns segundos como se estivesse a pensar sobre o fato de ceder ou continuar na defensiva, até que Malique Maloy retirou seus óculos de leitura e os pousou sobre a mesa de vidro na sua frente

— Isso não muda como eu te vejo, Malcom — disse ele com firmeza. — Eu sempre fui seu pai para você

Solto uma risada sarcástica

– sempre foi um pai pra mim? Você nunca olhou pra mim como seu filho, simplesmente como o fruto de uma traição  — passei as mãos na cabeça frustrado — você sempre colocou o ódio que sentia pelo meu tio por cima de mim, como uma forma de me fazer pagar por algo que eu não tive culpa

– eu sempre quis o melhor pra você

– para de falar, você só está piorando as coisas — neste momento sinto os meus olhos serem preenchidos por lágrimas e a postura de um homem forte e prepotente ir por água abaixo. Logo, não demora até a sala ser preenchida pela Sofia, Marshall e minha mãe

– Malcom? Que surpresa — Sofia fala

– por favor, saiam, estou tendo uma conversa com o vosso irmão — Malique é rígido

– não, ninguém sai daqui — respiro fundo — me diz Malique, onde você esteve na minha formatura do ensino médio, e quando eu ganhei meu primeiro troféu na feira de ciências? Ahm? Onde você esteve quando eu fiz a minha licenciatura em Arquitetura? Onde? Onde você estava quando sua neta nasceu, sua neta caramba — sinto meu peito bater freneticamente enquanto tento segurar minhas palavras — a vida toda você me fez sentir culpado, me fazendo pensar que o erro estava em mim quando na verdade você nunca me amou como filho de verdade. Isso não é sobre você ser o meu pai biologico, isso é sobre como você me tratou a minha vida toda! E sabe o que mais? Eu sinto um alívio imenso por você não ser o meu pai, por mim, e pela Sierra, odiaria minha filha chamar de avó um homem tão desprezível como você

– Malcom o que você está falando? — Sofia grita em desespero enquanto meu irmão tenta acalma lá.

– você não sabe o que está falando filho

– NÃO ME CHAMA DE FILHO PORRA — pego na sua gola e pela primeira vez na vida, pude ver o arrependimento e culpa estapantada no olhar do meu pai

– filho por favor não faça isso — minha mãe tenta me segurar

– você destruiu a minha vida Malique, mas eu não vou sujar as minhas mãos com você — o empurro fazendo o homem cair no chão. Olho para os meus irmãos que procuram por respostas — a vossa mãe tem muito tempo para contar tudo — passo por eles e abandono aquela casa repleta de dor e mentiras

****

Ao abrir a porta de casa, uma onda de tensão percorreu meu corpo. O confronto com meu pai ainda ecoava na minha mente, suas palavras cortantes sobre a verdade que me custa aceitar. A raiva e a confusão se misturavam em um turbilhão dentro de mim. Eu não era o filho que ele queria que eu fosse. Eu não era o filho dele.

– Julie? — a chamei largando as chaves por cima da mesa de centro, esperando ouvir sua voz suave me responder. Mas o silêncio que se seguiu só aumentou a inquietude que eu estava sentindo. Logo, a empregada apareceu na sala, seu olhar me disse que algo estava errado.

– Senhor a dona Julie teve que sair para o hospital, é dia da Sierra receber a vacina —  disse a mulher, sem mais explicações.

– está bem

Enquanto caminhava pela casa, meus pensamentos estavam longe de mim. A ausência de Julie me deixava inquieto, é incrível como eu preciso dela, como preciso me deitar em seus braços e sentir seu toque de conforto. Olhei em volta, buscando algo familiar para me ancorar em meio ao caos emocional que estava enfrentando. Foi então que o toque de uma mensagem de um celular que não é meu chamou a minha atenção

Olhei para o celular jogado no sofá e o peguei percebendo que Julie havia esquecido, sorrio ao pensar que ela deveria estar atrasada ao ponto de esquecer. Como sempre

Peguei o aparelho para poder guardar mas a mensagem na tela chamou a minha atenção. Mensagem do homem que eu sei que preciso ter uma conversa mas que eu insistia em adiar.

Meu coração disparou ao ler aquelas palavras. "Boston ainda está a espera de sua resposta Julie"  dizia ele. "Voce precisa se decidir se aceita ou não o cargo de CEO em Boston, eu preciso enviar uma resposta" A traição se instalou em meu peito como um veneno lento, corroendo tudo o que eu acreditava ser verdade entre nós.

Senti um nó se formar na garganta enquanto as emoções lutavam para emergir. Como ela pôde? Como pôde considerar deixar tudo isso para trás? Para longe de mim? A raiva rapidamente se transformou em dor. Eu não apenas confrontara meu pai; agora parecia que estava prestes a perder Julie também.

O peso das revelações me esmagava, e as paredes da casa pareciam fechar-se ao meu redor. Eu precisava entender o que estava acontecendo, mas tudo o que sabia era que o chão sob meus pés se tornara instável e traiçoeiro.

A necessidade de ter respostas tornou-se urgente, mas agora tudo parecia distante e confuso. O silêncio da casa ecoava minhas inseguranças enquanto eu tentava reunir coragem para enfrentar não apenas as verdades sobre minha origem, mas também essa nova realidade sobre Julie.

E assim fiquei ali, paralisado entre os ecos do passado e as incertezas do futuro, esperando por ela voltar para casa e responder às perguntas que queimavam dentro de mim.


Consequência Do Nosso Ódio (Terminado)Onde histórias criam vida. Descubra agora