– O quê? Eu não acredito que ela foi pra uma balada de terno — Por mais que eu estivesse totalmente focada nas horas do meu relógio de pulso e no trânsito incansável de plena manhã em Nova York, meus ouvidos não deixavam de escutar a Elisa falando ao celular, sentada ao meu lado no Uber. — Meu amor, aquela ali não precisa de dinheiro pra ficar bonita, ela precisa de um milagre! — seu tom de voz transbordava deboche.Fungo o nariz, imaginando em quem deve ser a coitada que teve o azar de cair na boca da Elisa. Gesticulo meus braços para chamar a atenção do motorista, que me encara pelo espelho retrovisor com seus olhos castanhos cor de mel e uma ruga de expressão.
– Eu te dou mais dez dólares se você tirar a gente daqui — faço menção de mostrar a nota para ele.
– Eu adoraria te ajudar, dona, mas já estou com uma multa alta pra pagar — sua voz é cansada e compreensiva.
Respiro fundo, me condenando mentalmente por ter aceitado o convite da Elisa pra beber em plena quinta-feira com seu novo namorado e o amigo esquisito dele. Que apesar de ser incrivelmente lindo e musculoso, ele era péssimo em cantadas. Quer dizer, eu leio livros da Colleen Hoover e Nickolas Sparks todos os dias depois do trabalho, é óbvio que as minhas expectativas são altas.
Talvez seja por isso que sou uma mulher adulta de 26 anos, com a agenda vazia para o final de semana e as únicas pessoas com as quais tenho contato por celular são minha mãe, meu irmão, meu sobrinho e meu padrasto. Não que isso fosse um incômodo pra mim; é óbvio que eu não me importo de passar os domingos sozinha no apartamento que divido com a Elisa enquanto me embuto com pipocas, chocolate e todo outro tipo de coisa que ponha em risco a minha saúde... assistindo a algum filme romântico, chorando e me imaginando vivendo um amor verdadeiro.
Tá legal, talvez eu me importe mesmo.
Mas por outro lado, tenho meu emprego, que decidi fazer dele meu refúgio na minha vida solitária e repetitiva. Sabia que a cada segundo que se passava estava mais próxima de provar minha irresponsabilidade para um dos grandes trabalhos que já me foram confiados desde que comecei a trabalhar nesta empresa.
Volto a olhar para as horas, vendo que restam apenas 15 minutos para o início da reunião. Respiro fundo tentando pensar numa estratégia para sair dessa situação que eu mesma criei. Meus dentes vão ao encontro do meu lábio inferior enquanto observo pela janela do carro a estrada e os carros em fileira.
É inevitável não pensar no Malcom. Ele deve estar torcendo para que eu não chegue a tempo e possa finalmente tomar o meu lugar. Eu poderia facilmente colocar toda a culpa dessa situação por cima dele... ele é literalmente o culpado por toda a desgraça na minha vida.
Ele é o culpado pelos documentos que faz questão de não me entregar para poder repassar ao meu chefe. É o culpado por fazer com que eu me afogasse numa montanha de papelada na véspera de Natal, impedindo-me de voltar pra New Jersey e desfrutar o dia junto à minha família. Ele é culpado pela morte do meu cachorro. E é culpado por eu ter cortado a palma da minha mão com uma faca enquanto pensava no meu ódio por ele.
Malcom Maloy se tornou o demônio da minha vida. E eu não posso lhe dar o prazer de me ver cair.
Respirei fundo e ajeitei minha postura, tentando manter meus pensamentos mais claros. A empresa fica apenas quatro quadras daqui; se eu correr, talvez consiga chegar a tempo.
Sem pensar mais, abro a porta do carro abruptamente, desço e percebo o movimento do lado de fora: imensamente barulhento e agitado. O motorista ao lado buzina com irritação e eu peço desculpa silenciosamente, sentindo vários olhares sobre mim.
– Onde você vai, Julie? — pergunta Elisa com a porta semi-aberta, tapando o microfone do celular com uma mão.
– Trabalhar — respondo por fim.
Corro como se minha vida dependesse disso, sem deixar de chamar a atenção das inúmeras pessoas que me encaravam assustadoramente.
Quando finalmente chego em frente ao prédio da empresa onde trabalho, sinto meus pulmões arderem e minhas pernas cambalearem. Faltam apenas dois minutos para o início. Volto a apressar os passos e passo pela recepcionista, que me encara estranhamente; provavelmente julgando minha aparência inaceitável: cabelo solto bagunçado, saltos nas mãos, blusa social com os primeiros botões desprendidos e maquiagem borrada devido ao suor.
Aperto várias vezes o botão do elevador, mas, sem obter resposta imediata, decido subir as escadas. É loucura, eu sei... o prédio é enorme e a reunião é no quinto andar, mas não me sobra mais alternativa.
Devo ter levado uns 9 minutos para chegar. Corro feito uma doida e abro a porta da sala de reuniões bruscamente, chamando a atenção do presidente da empresa, alguns funcionários e acionistas posicionados em seus devidos lugares.
– Me desculpem o atraso — digo, passando minha bolsa para frente e acertando acidentalmente a cabeça do Peter, meu colega de trabalho. — Me desculpa... ah, meu Deus... — abro minha bolsa e acabo derrubando os meus papéis para a apresentação. — Droga... só um minuto — me abaixo para pegar, mas estão todos desorganizados sendo que eu os organizei em ordem antes de sair. Consigo ouvir uma risada debochada do Malcom e isso me irrita ainda mais.
– Precisa de ajuda, Julie? — pergunta meu chefe.
– Não, eu tô bem... ah — pego um papel. — A alta prevalência de métodos de marketing para... espera, não é esse.
– É óbvio que ela não está preparada para a apresentação — Malcom gesticula. Reviro os olhos, ele deve estar se divertindo com tudo isso. Decido então olhar para todos na sala enorme; eles têm os olhos em cima de mim aguardando uma reação minha. Eu não poderia vacilar num momento como este, preparei-me por meses à espera de uma oportunidade. Não vou jogar essa chance ao lixo sem ao menos dar o meu melhor.
– Me desculpem o equívoco do senhor Maloy, mas sim, eu estou preparada... — olho para ele que parece se irritar. — Bom... — jogo os papéis de volta no chão. — Vou começar dizendo que a construção civil é um dos maiores setores do país, principalmente em termos econômicos — mordo meu lábio inferior. — Logo, é natural que pessoas e até mesmo empresas se perguntem sobre possibilidades de negócios lucrativos nesse setor.
– Você não acha que seja uma opção para profissionais autônomos? — pergunta um dos acionistas, atento.
– Sim, é sim... tanto quanto para engenheiros e arquitetos. Sendo assim, separei dicas de negócios lucrativos para a Construmix Maloy — pego um marcador e começo a escrever no papel pendurado no centro da sala. — Nada mais moderno e fácil para se apostar no setor do que nas famosas franquias — digo, causando certos murmúrios na sala — É isso mesmo! Nova York é a sexta cidade com menos franquias no mundo e as obras não têm tido muito destaque principal porque os empresários não decidem se arriscar. Dados trazidos pela Associação Brasileira de Franchising apontam que é possível ter franquias que variam de 15 mil até 800 mil reais, cada uma com um faturamento médio mensal específico. Isso não é legal?
– Apostar nisso pode ser arriscado...
– Mas é isso que fazemos, nos arriscamos! São 40% de chance de isso dar certo, então por que não apostar? — solto um sorriso ao ver o rosto de satisfação de todos na sala. Falei por mais alguns minutos respondendo a diversas perguntas e quando finalmente terminei, a sala ficou em silêncio.
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Consequência Do Nosso Ódio (Terminado)
HumorUma Noite Uma noite é suficiente pra mudar uma vida. Julie é uma mulher de seus 25 anos em busca de uma oportunidade de reconhecimento no seu trabalho, uma mulher que apesar de ser completamente desastrada, é focada nos seus princípios. Porém ela v...