O carro estava silêncioso. Minha mãe e meu pai no banco da frente, e eu sozinha no banco de trás. Observava a lua. Uma música de fundo tocando.
Foi nesse caminho que tudo mudou. Estava tudo bem, mas então, eu lembrei de você. Senti saudades. Lembrei do seu jeito e dos momentos. Tomei consciência que nunca mais te veria. E então, o desespero tomou meu coração. Eu senti uma dor. A dor da saudade.
E então, junto com ela, as lágrimas vieram.
Eu senti tanto sua falta. Não entendi o porque você se foi. Me doeu. Tanto. Tanto. Tanto.
Eu só conseguia chorar quietinha no banco de trás.
Faziam anos que você tinha partido. Dois ou quatro. Não sei. Mas lembro, que somente naquele momento entendi que você se foi. Entendi que aquilo me deixava triste. Entendi, que não lembrava mais da sua voz, seus gestos, do que você gostava de comer, não lembrava da sua risada e nem do seu sorriso. Me doeu. Percebi que todas as memórias estavam indo embora. Memórias, que até alguns anos atrás, eram rotinas.
Não conseguia lembrar mais do jeito que você dançava.
Eu sinto saudade de você.
Espero que você tenha me amado, porque eu te amei muito. Uma semana antes de você partir, você aprendeu a falar meu nome, de um jeito errado e bobo, mas aprendeu.
Um dia antes de você ir embora, eu cheguei da escola e você me recebeu sorrindo, veio correndo até a porta me receber, toda feliz. Eu sorri e te abracei. Almocei. Tomei banho. Fiz os deveres de casa. Lembro que as quartas eram os dias que eu te dava banho. Obediente ao ritual, eu fiz isso. Você na sua banherinha e eu te ajudando a tomar banho. Você bricando de mergulhar e eu lá sorrindo de tudo. Te troquei. Você agitada como sempre. A mãe te ajudou a comer e te deu os remédios para dormir. Você dormiu. Eu estava animada com a festa junina da escola. Só pensava nisso.
O pai chegou e o irmão também. A rotina da noite se seguiu normalmente. Então, no meio da noite acordo com ele olhando pela janela e o barulho do carro saindo.
Pergunto o que aconteceu, ele me diz que você passou mal e precisou ir no hospital. Os adultos estavam te levando. O silêncio da noite continua. A vó vem ficar comigo e com ele.
O pai liga pra vó. Diz desesperado: ela morreu. Ela morreu.
A vó fala pra ele parar de falar aquilo, mas ele só dizia isso angustiado.
Ela morreu.
Ela morreu.
Não entendi nada. A noite pareceu durar uma eternidade naquele dia. Não dormi nada. Na noite seguinte, foi seu enterro. Então, acabei entendendo um pouco. Olhei para uma estrela e pensei em você. Eu chorei. Perguntei se aquela estrela era você. Me disseram que sim e desde então, pra mim, você é aquela estrela. Minha eterna estrela.
A volta para casa depois de tudo aquilo foi dolorosa. Nada mais era o mesmo. Tudo doia. Tudo lembrava você. Meus pais choravam tanto. Tanto. Eu não entendia nada. Não consegui te dar mais banhos.
Meus pais me contaram melhor a respeito daquela noite. Me falaram que você acordou passando mal, eles acordaram. Deram banho em você e imediatamente te levaram para o hospital. Todo mundo naquela casa se despediu de você naquela noite, menos eu.
Céus, isso me deixou chateada durante anos. Eu não consegui me despedir de você. Não consegui olhar nos seus olhos, ver seu sorriso uma última vez. Não consegui.
Minha última lembrança com você, é da noite antes da sua ida. Eu olhei você no berço, bagunçando como sempre, e falei: boa noite l.
Você me olhou e chamou meu nome. Daquele jeito errado e bobo.
Depois disso, a última vez que te vi, foi no caixão.
Eu sinto saudade de você. Muita saudade.
Escrevi isso porque não quero te perder da minha memória. Eu quero falar de você para meus filhos, quero que eles saibam da titia deles.
Toda vez que eu ouço "gostava tanto de você" lembro como o pai e a mãe ouviam essa música e pensavam em você. Essa música me lembra você. Só você. Durante minha infância toda, eu odiei essa música. Conheci ela por causa dessa situação. Lembro que teve um evento na escola, onde o tim maia era homenageado e tocou essa música. Eu odiei. Odiei tim maia. Odiava essa música. Tanto. Tanto. Hoje me apego a ela, porque lembrar você não me machuca mais. Eu gosto de lembrar de você.
Eu te amo.
Espero que você ainda lembre de mim também.
