Capítulo Um

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C A P Í T U L O U M

H A M L E T

A pista estava escorregadia devido à chuva que se recusava a parar de cair sobre a cidade, me obrigando a estacionar a moto se não, caso contrário, eu acabaria além de encharcado, com alguma fratura. Eu estava longe de casa mas havia uma biblioteca onde eu poderia ficar até que a chuva parasse ou ao menos diminuísse. Era a única biblioteca da cidade e acho que se tivesse outra não iria fazer diferença, adentrando o prédio pude ver que eu seria o único ali juntamente com a bibliotecária que mais parece um cadáver vivo com uma carranca no rosto. Maravilha!

- Ah meu Deus, você ainda existe garoto? - Ela murmurou levantando o olhar antes focado no livro. Ela continua assustadora.

- Como vai Lizzie? Aposto 50 libras que sentiu minha falta. - Eu espero que ela não leve isso a sério porque eu não quero pagar nada. E meu pai iria me mandar de volta para Londres só de raiva.

- Ora, tenha paciência. É sra. Elizabeth Mitchell para você garoto. Você já conhece aqui Hamlet, só fique de boca fechada e não me atrapalhe. - Ela estava morrendo de saudades, está só se fazendo de difícil.
Aliás, difícil vai ser ficar em um lugar que só não é considerado abandonado pelo monumento que acabei de rever que nunca sai daqui e não tem o habito de sorrir. Não faz mal, é o charme da Lizzie.

Pelo menos a arquitetura gótica do local não deixava a desejar, desde os vitrais inspirados em histórias clássicas da era vitoriana às escadarias de madeira que davam voltas nas estantes desmesuradas também de madeira. Esse lugar era um patrimônio histórico da cidade e ninguém parecia dar a mínima, era inacreditável como tratavam de maneira medíocre algo de beleza imponente como esse lugar; vir aqui com minha família durante a infância e quando queria apenas ficar isolado na adolescência foi uma das principais influências no fato de eu ter escolhido cursar literatura inglesa então tenho um apresso pelo lugar.

Não tinha muito o que fazer aqui, não estava com vontade de ler, não tenho nada para desenhar e a tempos não tenho alguma inspiração para escrever. Tudo que escrevo é descartado ultimamente. Então o que me resta é ficar sentado contra a janela, observando o tempo lá fora, esperando que a chuva passe.

Uma vista triste foi o que vi através do vidro: a penumbra da noite sobrevindo prematuramente, as árvores praticamente despidas batiam os galhos contra a vidraça, suas folhas em tons alaranjados umedecidas pela água da chuva, ficavam presas no vidro quando levadas pelo vento.

Era impressionante como o outono tinha um tom melancólico diferente das outras estações, não é tão frio quanto o inverno onde temos que enfrentar até a geada mais agressiva no frio dessa cidade, não é tão voraz quanto a violência dos dias quentes de verão, não tem a beleza vivida da primavera, não, ele se divergia dessas características, de alguma forma essa estação não era gélida como o inverno, mas era mais frívola que ele, no entanto, mais acolhedora do que o verão porque o que se deu início nela não se encerraria junto com ela, e diferente da primavera onde sua beleza estava na vida da natureza, a sua estava na morte dela. Damian, meu pai, costuma dizer que tem algo de acolhedor na solidão do outono, sei que isso tem ligação com a amizade dele com a tia Cassie, mas não tem como discordar dessa afirmação.

- Droga. - Uma voz baixa, acompanhada do barulho do impacto de algo caindo no chão, rouba minha atenção fazendo-me varrer os olhos pelo lugar, buscando a origem do som.
Havia também o som de passos lentos que faziam com que o assoalho rangesse, era como se a pessoa estivesse tentando a todo custo não fazer barulho mas, em um espaço tão amplo e vazio como esse, só prolonga o som dos pés contra o piso. E aparentemente, estava se dirigindo para onde eu estou, havia uma estante bloqueando minha visão, só conseguia ver através do vão das prateleiras parte do cabelo, que parecia ser bem longo, e o que parecia ser uma saia de colegial xadrez. Era uma garota ou um cara com gostos no mínimo peculiares.

O Que Lembramos no OutonoOnde histórias criam vida. Descubra agora