C A P Í T U L O D O I S
I N D I A
O som da chuva em finais de tarde no outono sempre me trouxeram uma calmaria singular. Eu adorava a sensação que eu tinha o prazer de usufruir assim que era chegada esta época do ano, quando eu era criança e passava as tardes nubladas e chuvosas no meu quarto, envolta do meu cobertor lendo com a luz enfraquecida do abajur para clarear somente o necessário. Minha irmã mais velha trazia uma xícara de chocolate quente e biscoitos de nata polvilhados com açúcar que havia preparado com a nossa mãe, para mim isso se tornou o aroma da infância. É um aroma que sinto falta de vez em quando por aqui.
Faz somente dois anos que me mudei para Starfall que, embora não seja uma cidade com grandes atrativos turísticos, me proporciona uma atmosfera relativamente agradável quando estou sozinha escrevendo ou lendo, tanto em meu quarto como na biblioteca, esta que veio a se tornar meu refúgio em dias como esse, que tendem a me deixar nostálgica com saudades de casa. Eu nunca espero muito desses dias, desde quando cheguei aqui com dezesseis anos faço isso e nada de muito inovador ou incomum aconteceu.
Pelo menos não até semana passada.
Eu jamais havia cogitado a mínima possibilidade de que algum dia
conheceria Hamlet Allaire, muito menos que seria naquelas circunstâncias, - nem que eu perderia meu colar - onde ele estava com sua jaqueta completamente encharcada e seu cabelo totalmente bagunçado, que respingava as gotas de água deixadas pela chuva em seu rosto marcante. Ele é mais bonito pessoalmente do que pelas fotos que vi no google, demorei para reconhecê-lo, só depois que a sra. Mitchel falou seu nome associei o rosto ao nome. É tão estranho saber que
finalmente o conheci depois de passar meu primeiro ano todo na cidade lendo os contos que ele escreveu; a escrita dele se tornou uma das minhas maiores inspirações atualmente, admiro muito sua forma de narrativa, porém como tudo que ele escreve traz uma atmosfera melancólica tenho evitado consumir esse conteúdo.No começo era quase uma tarefa impossível, quer dizer, quando você está passando pelo o que você considera o pior momento da sua vida você não quer sorrir e seguir em frente, você só quer chorar e ficar reclusa do mundo até a sua dor passar. E Hamlet transmitia exatamente esse sentimento de impotência e abandono por meio da sua escrita; era como se ele tivesse materializado o nó enorme que estava enrolado em meu coração da maneira mais poética possível.
Na época eu acreditava cegamente que seus contos e outros conteúdos similares eram o meu consolo para tudo o que eu estava passando, mas não, isso só me impedia de encontrar o consolo verdadeiro.
Não vou mentir que tive uma vontade imensa de perguntar qual ou quais eram as suas inspirações, mas ele não tem lá a melhor fama por aqui e, por mais que eu prefira conhecer as pessoas e ter a minha opinião própria formada é inevitável ignorar os boatos.
- India - a voz de Amelia, uma garçonete que já está acostumada a me ver por aqui, me retira dos meus pensamentos - sabe que todos aqui te amam não é? - Franzi assobrancelhas, não entendo onde ela quer chegar.
- Está ficando doloroso ver você vir aqui sozinha, pedir um café e ficar horas com a cara enfiada nesse computador e nos cadernos e livros que você deixa tanto na mesa quanto na sua bolsa.
- Prefere que eu peça um capuccino? - pergunto sorrindo para ela, sei que não era esse o foco e ela percebeu.
- Desculpa Amelia, vou tentar controlar a minha bagunça.- O problema não é esse princesa. - Ela diz se sentando ao meu lado
no espaço do banco. - Você sempre está sozinha desde quando chegou aqui em Starfall; você é tão jovem, deveria sair mais, se divertir.
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O Que Lembramos no Outono
Short StoryEM ANDAMENTO! Primeiro conto da coleção Para Sempre Sinopse: Hamlet Allaire é um escritor dono de um humor ácido e uma reputação questionável que percorre os ouvidos curiosos dos moradores de Starfall. Após passar quatro anos fora estudando, ele ret...