CAPÍTULO 2

53 8 7
                                    

  O sol já estava em pino quando acabei, as calças e as botas foram os mais difíceis, precisei criar uma pequena distração.
Selecionei um gordo beberrão que julguei ser encrenqueiro e disse a ele que o perfumista estava gritando, a quem quisesse ouvir, que comeria sua mãe como o cavalo come a égua.
Como planejei, o gordo partiu para cima do perfumista, que é um homem cruel e desprezível diga-se de passagem.
Foi uma bela confusão, vidro sendo quebrado, pessoas correndo e os Corvos desesperados.
Aproveitei a oportunidade para pegar dois frascos de perfume que estavam jogados pelo chão.

Não é sobre pegar tudo o que quiser sem precisar pagar, e sobre roubar de quem realmente merece, acontece que o pêssego é mais doce quando se é roubado de um cuzão. Dizia Andrias, o meu irmão, quando me treinara para roubar.
A vida de um escravo já é árdua e para uma escrava com traços feéricos como eu é ainda pior, e meu irmão sabia disso então me ensinou a arte da furtividade, como dizia ele, para que eu pudesse viver com um pouco mais de conforto.
Mas ele sempre me disse para ter compaixão, nunca roubar de quem precisa ou de quem é honesto. Já os que nos maltratam, Andrias me fez jurar que faria da vida deles um inferno.
Esse foi o juramento que mais gostei de cumprir.

Já tinha pego tudo o que precisava e instalado o caos na feira, é hora de voltar para a minha triste realidade no castelo, mas quando estava prestes a entrar no beco eu avistei um ferreiro sentado em um banco, nunca o vi aqui antes.
É muito difícil a vinda de mercadores de fora, isso porque Brontay é considerado um reino pobre e as pessoas mal têm dinheiro para se sustentar.

Tentador, muito tentador...

Me aproximei lentamente, era um homem relativamente velho, já grisalho, robusto e com olhos atentos, sua mão não largou a espada em nenhum momento.

Eu não seria tola a ponto de tentar roubá-lo, perderia minhas duas mãos antes mesmo de conseguir.
Decidi me aproximar mesmo assim, só por curiosidade, só para olhar as peças que estavam dispostas em um pano velho no chão.
Algumas facas incrustadas de joias, adagas de todos os tamanhos, facas de caça como nunca vi em lugar algum, um trabalho de um verdadeiro artista.

- Uma garota que os olhos brilham ao admirar minhas facas? - ele gargalhou e tossiu em seguida, não ousei encará-lo - há tempos não vejo tal coisa -

- São lindas - uma em especial me chamou a atenção, abaixei ficando sob um joelho para vê-la melhor, cravejada com uma pedra roxa no cabo, seu metal é claro, bem diferente das outras adagas, delicada porém mortal - que pedra é essa? - apontei sem tocá-la, melhor não abusar da sorte

- É uma ametista, de um reino feérico chamado Ametis, pode testá-la se quiser -

A segurei com a lâmina para cima e depois a girei na mão para que ficasse com a lâmina para baixo, é leve e de fácil manuseio. Apoiei a faca sob o dedo indicador, entre o final da lâmina e o início do cabo, e o peso não a fez pender para nenhum lado, perfeitamente equilibrada.

É ideal para mãos pequenas como as minhas... roubá-la não me pareceu uma ideia tão absurda agora.

- Esse não foi um trabalho meu na verdade, eu ganhei de fêmea férrica... tem bom equilíbrio e peso... mas você já reparou isso, não é? - dei de ombros, qualquer um que manuseia facas sabe dessas coisas - E combina perfeitamente com seus olhos -

Parei de movimentar a faca subitamente, minha respiração começou a ficar muito, muito pesada, mas é claro que ele reparou, como não repararia?
Foi a primeira merda que ele me disse, eu devia ter ido embora quando tive a chance.
Ele vai me denunciar... vai me denunciar por um saco de moedas e eu vou ser açoitada até a morte por estar aqui.

- É de prata pura também - olhei para ele finalmente, o homem sorriu ao olhar em meus olhos - aí está... que belos olhos você tem -

- Se está tentando vendê-las usando essas histórias está perdendo o seu tempo, todos aqui odeiam os feéricos -

ALIA - A Profecia EsquecidaOnde histórias criam vida. Descubra agora