Segredo

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Eu passei a noite oscilando entre a consciência e a inconsciência.

Quando estava consciente, não conseguia dormir por conta da dor latejante e, quando cedia à exaustão, os momentos de inconsciência eram muito breves. A dor me fazia voltar rapidamente.

Nos poucos momentos em que consegui realmente dormir, tive pesadelos. Sonhei com o corpo da menina morta, que me protegeu no banho de sangue. No meu sonho, ela gritava comigo e chorava "Por que você usou o meu corpo? Nem morta me deixam em paz", enquanto eu a encarava paralisada. Depois, eu aparecia embaixo do corpo dela e não conseguia sair, era como se o corpo pesasse mil quilos. No fim, eu morria afogada no sangue dela, que escorria sem parar.

A noite de dor e pesadelos pareceu infinita, mas agora raios de sol entram pela caverna. É um alívio.

A garota do Distrito 3 finalmente dormiu, depois de passar a noite toda acordada ao meu lado. Ela deveria ter dormido de noite. É mais importante ter um vigia durante um dia, especialmente porque eu não estou em condições de lutar caso alguém apareça. Mas ela é teimosa, faz o que quer.

Ela passou a noite mexendo nas bolsas, amarrando e preparando todo tipo de coisa. Só muito depois consegui entender que ela estava fazendo uma armadilha na entrada da caverna com flores venenosas.

Agora, eu a observo dormir. Além de esperta, ela é bonita, a pele marrom cor de canela brilha na luz do sol e seus cabelos pretos e cacheados, cheios de folha, lama e frizz, se juntam num rabo de cavalo bagunçado. O corte em sua clavícula parece bastante profundo, mas, estranhamente, ela dorme em cima do lado machucado.

Quando ela respira, sai um barulho agudo de seu pulmão. Um barulho que eu lembro de ter ouvido durante a crise de pneumonia, que aconteceu anos atrás no Distrito 12. Será que ela está doente?

Quase tenho vontade de rir. Não bastasse uma doente, agora somos duas. Se bem que eu ainda tenho esperanças de que minha doença não se manifeste tão cedo.

É, doença. Esse é o meu problema desde o princípio. A doença me persegue aonde quer que eu vá. Quando eu tinha 10 anos, minha mãe adoeceu e nunca se recuperou. Desde então, eu achava que teria que lidar com isso – a constante preocupação, medo e exaustão de cuidar de alguém doente – apenas enquanto a minha mãe vivesse. O infortúnio de ir para os Jogos me mostrou que não era bem assim. Eu tinha ganhado duas sentenças de morte: os Jogos Vorazes e um diagnóstico, que era o meu segredo.

O segredo, que guardei de todos, é que eu tenho uma doença genética. Se eu viver, no futuro, meus nervos vão inflamar constantemente e ocasionar dores horríveis em todo o meu corpo. Era essa a informação que o médico da Capital tinha para me dar aquele dia no Centro de Treinamento. E era por isso que ele queria meu sangue para fazer exames: minha doença genética é rara.

Quando ele me contou, foi como se meu mundo parasse. Minha cabeça girou, meu corpo cedeu pesadamente na maca e meus ouvidos apitaram. Eu mal ouvi ele falar o nome da doença. Não me importava. Saber o nome da doença não faria diferença alguma no Distrito 12, onde não havia tratamento mesmo para os problemas mais simples de saúde. 

Meu mundo caiu mesmo com a palavra genética, porque ela significava apenas uma coisa: eu e minha irmã teríamos o mesmo destino da minha mãe. Era o meu maior medo se tornando realidade. Se fosse apenas eu, eu não me importaria. Eu morreria nos Jogos. Mas e minha irmã? Ela passaria a vida toda imobilizada por dores igual à minha mãe?

"Quanto aos Jogos, essa doença se manifesta apenas por volta dos 20 anos, mas o estresse extremo da arena pode fazer com que se manifeste antes" o homem de jaleco continuou "E eu fui informado que sua mãe ainda está viva e que você tem uma irmã. Uma irmã gêmea idêntica. Bom, você sabe o que isso significa. Ela carrega a doença assim como você".

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⏰ Última atualização: Dec 11, 2023 ⏰

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Jogos Vorazes: o 2º Massacre Quaternário • Stay AliveOnde histórias criam vida. Descubra agora