Capítulo único

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Inspiração: All I Want For Christmas Is You (de Mariah Carey)

Título do conto: Natal no Alto da Nespereira

Rosa Maria, pendurada no muro do quintal, vislumbrava com melancolia a aldeia que se tornava cada vez mais vazia e deserta. O jardim bem cuidado, com as flores de dia curto alegremente abertas e o limoeiro ainda salpicado de folhas esverdeadas, não transparecia a solidão da viúva que, desde a partida do filho para os Estados Unidos, apenas vivia com um gato amarelo, uma cadela Podengo e os seus cabelos pintados de castanho com raízes brancas. A juventude dizia que não encontrava futuro no Alto da Nespereira, pelo que rumava em direção às cidades ou ao estrangeiro. De facto, a localidade rural, agora dominada por reformados, não oferecia muitas oportunidades de emprego. Reduzia-se a umas quantas vivendas, uma igreja, um café e uma mercearia.

Ainda assim, naquele Natal, um grupo de mulheres já idosas unira-se com o intuito de trazer alguma vida à aldeia portuguesa. Imparáveis e em animado convívio, haviam tecido inúmeras estrelas e bolas em crochet com os restos de lã que lá tinham para casa. Os seus maridos haviam pendurado luzes em todas as árvores e arbustos da terrinha, tendo uma atenção especial com a grande nespereira que dava o nome à povoação. Irradiando luz por tudo quanto era sítio, a nespereira anunciava o trabalho dos aldeões a uns quilómetros de distância. Fitas, grinaldas e renas construídas com os restos do trabalho agrícola completavam a decoração.

Naquela época, Rosa Maria já havia sido, por telefone e videochamada, questionada inúmeras vezes pelo filho sobre o que pretendia de presente para o Natal. Tiago, designer de videojogos, que entretanto conhecera o amor e formara família, enviava por correio qualquer coisa que a mãe lhe pedisse. Mas a velha só tinha um desejo: que o menino que criara e que se fizera homem a visitasse naquele Natal.

Nada mais importava: nem prendas, nem dinheiro, nem joias, nem prata, nem ouro. Só o filho que dos seus braços partira para fazer a sua vida. Só a sensação de poder abraçar de novo o seu bebé que crescera. De beijá-lo na testa, de observarem juntos o fogo que crepitava na lareira da sala, de contarem os minutos para a meia-noite.

A noite de 24 de Dezembro havia chegado. Havia de ser mais um Natal sozinha a ouvir rádio enrolada em mantas, entristecida pela solidão.

De repente, a cadela ladrou. O gato assustou-se. A campainha tocou. Quem seria àquela hora noturna? Os chatos dos vendedores de livros e telecomunicações? Ou pior: alguém para assaltar uma pobre idosa solitária?

Desconfiada e atemorizada, a mulher veio abrir a porta. A aragem gélida bateu-lhe no rosto. Um homem encoberto pela escuridão aguardava-a. Estranhamente, a cadela que era tão rezingona com gente desconhecida, lambeu-lhe as mãos.

- Filho! - Exclamou a velha, abraçando o jovem num aperto carinhoso e prolongado.

- Voltei, mãe. Quem disse que o teu desejo de Natal não se realizaria?

O amor, a ternura entre a idosa e o homem aqueciam os corações daquela família novamente reunida no frio da noite.

- All I want for Christmas is you... - Cantava-se na rádio.

(500 palavras)

Monte, 2023

Natal no Alto da NespereiraOnde histórias criam vida. Descubra agora