ستة

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Concussão

Esta é uma peça de ficção. O capítulo a seguir possui fatos que não condizem com a realidade.

استراحة

Belo Horizonte, 126 dias restantes...

Dentro do hospital massivo, Nassar encontrava-se incapaz de mexer um músculo sequer, presa em uma maca de um quarto particular. Não lembrava como tinha chegado ali, quem a tinha levado, só sabia que a sua dor de cabeça era semelhante a pequenas agulhas sendo inseridas do lado esquerdo do rosto, afundando na pele e, como parasitas, estendiam suas pontas por todo o crânio, envolvendo os olhos e esmigalhando os nervos. Desejava que algum residente tivesse tido dó e injetado fentanil direto na veia depois de ter remendado seu supercílio com pontos extremamente apertados.

Tudo que desejava agora era que sua visão voltasse ao normal. Ainda via tudo sob um filtro borrado e brilhante, tornando o mundo um lugar magicamente aterrorizante. Sem confiar nos próprios olhos, que já não eram tão assertivos quanto na juventude, tinha que aguçar os outros sentidos, há muito em pane. Um zumbido insistente soava no ouvido esquerdo, sentia um gosto ferroso na boca, as palmas das mãos suavam excessivamente e o cheiro de desinfetante era insuportável, mesmo dentro do quarto.

Também não confiava na própria mente, que lhe pregava peças a partir de pequenos fragmentos. Uma cadeira de metal no canto oposto parecia ser o local de descanso de um vulto, as persianas da janela pareciam ser movidas por mãos invisíveis e um cântico distorcido e misterioso aumentava e diminuía de volume, brigando com o zumbido. Quanto mais encarava as paredes brancas, mais uma silhueta de cabelos espessos e encaracolados parecia a encarar de volta. A sua estada no Hospital João XXIII podia e deveria ser curta, mas Nassar esperava que fosse esquecida junto com todo o resto que tinha sido levado nas ondas da memória ao colidir com aquele maldito poste de energia.

Mesmo que tentasse muito, pensar, por mais doloroso que fosse, era inevitável. O silêncio precisava ser preenchido. Estava bem longe de Brasília e, mais ainda, de Campo Grande, mas não era uma cidade desconhecida, apenas não lhe passava o aconchego do ar seco e cáustico e do sol castigando os ombros dos desavisados. Não sabia se alguém estava à sua procura, ou se ao menos sabiam da sua situação. Decerto, seu rosto já estaria nos portais de notícias e já estariam tratando a explosão na Rua da Bahia como o novo ataque ao Riocentro. Claro que, em um país de memória curta, os questionamentos seriam maiores em relação a o que era o atentado do Riocentro do que o motivo da tentativa de assassinato de uma senadora. Para o seu azar, estava algumas décadas atrasada para ser capa d'O Pasquim e virar mais um ponto questionável e, por que não, curioso da história política brasileira.

Tão logo fechou os olhos, deixou que o eco, que só existia na sua cabeça, aumentasse, ocupando o lugar da visão. Em meio aos ruídos, escutava também algumas vozes além da porta.

— ... Já sabem quem são as vítimas, mas vão segurar até onde der.

— Por quê?

Um silêncio rápido se instaurou.

— Porque é o senador Neves e a irmã dele. Minha irmã estava na igreja e viu quando eles saíram.

— E ela está bem?

— Graças a Deus. Tinha que ver como ficou a fachada da igreja.

— Já sabem quantos morreram além deles?

— Não dá pra saber, a explosão foi feia. Tem pedaço de corpo pra todo lado, horrível.

Subitamente, as vozes diminuíram de tom, perto da porta.

Memórias [simone x soraya]Onde histórias criam vida. Descubra agora