LEGADO DO PODER | CAOS (VOL. 1)

1 | DESOLAÇÃO

Era o dia mais frio daquele inverno. Durante meses a fio, a neve caiu impiedosamente por todo o Reino de Solarium, sem trégua. Pessoas passavam dias ou semanas sem conseguir sair de casa, pois o vento do lado de fora cortava a pele de seus rostos. Havia muito tempo que a força da natureza não castigava o solo daquela terra, mas dessa vez os deuses pareciam estar enfurecidos.

Os corpos no chão, petrificados pelo congelamento, já não eram mais grande novidade, era preciso ter cuidado ao andar pelas ruas dos vilarejos para não tropeçar em algum moribundo que não conseguiu se aquecer. O desespero e o medo tomou conta de todo o povo e apertava o coração da princesa. Aurora se sentia impotente vendo os aldeões morrerem.

No início pensaram ser apenas mais um inverno comum, guardaram mantimentos, fabricaram novas roupas e aqueceram os chalés. Porém, os dias foram se passando e o que deveria derreter não derreteu, a neve chegava pelo céu cada vez mais fria, os lagos congelaram por completo e as flores não voltaram a florescer. Seis meses havia se passado sem nenhum sinal da primavera. Os animais estavam mortos, não havia mais nada para caçar. No solo nada se plantava e nada se colhia. Crianças, adultos, idosos, todos enfrentavam a dor do congelamento em seus ossos e aqueles que sobreviviam, cedo ou tarde tinham o mesmo destino, definhando de fome até a morte.

Cavalgando pelas ruas sobre seu fiel companheiro, o cavalo Major, Aurora observava a situação aterrorizante. As casas de madeira fina estavam quase submersas na neve, as lareiras refletiam a luz do lado de fora, mas suas chamas não eram suficientes para espantar o frio. Das janelas, algumas mulheres compartilhavam um pouco de sopa com os vizinhos que já não tinham mais alimento. Nas ruas, apenas alguns caçadores voltando de uma exaustiva excursão, de onde não conseguiram trazer nada além de um pouco de madeira. Ela carregava algumas poucas mantas de algodão que havia trazido do castelo e distribuía para os necessitados.

— Princesa, precisamos voltar — a princesa ouviu a voz firme e serena de Caleb, que vinha em seu cavalo atrás dela.

Escudeiro do rei há tantos anos que Aurora nem poderia contar, Caleb deveria ter ido sozinho entregar mantas e mantimentos para os aldeões. Mas assim que ele deixou o palácio real ele soube que teria companhia. O homem, na casa dos seus 50 anos, já estava de cabelos brancos de saber que ninguém poderia controlar a herdeira dos cabelos dourados.

— Ainda não entregamos todas as mantas — respondeu ela continuando o meu trajeto.

— Mas todos que precisavam já pegaram — suspirou. — À essa altura já devem ter notado a sua ausência, princesa. Precisamos retornar antes do entardecer.

Entardecer.

Há semanas não era mais possível ver o sol brilhar, as nuvens escuras e a neblina da nevasca cobriam todo o céu, bloqueando a maior parte dos raios solares. Sem a energia vital do Deus Sol, a magia do solo de Solarium estava se enfraquecendo, e Aurora podia sentir a sua magia perdendo se esvaindo.

— Ainda me resta uma, vamos entregar a mais alguém e então voltamos — constatou.

Aurora pôde sentir o olhar de preocupação e fúria de Caleb sobre sua pele atrás de si. Embora eu não se importasse com as consequências da sua desobediência, ela sabia que isso poderia trazer problemas para Caleb. Porém, antes de pensar em qualquer coisa, sua decisão já estava feita. A princesa deixou de lado a coroa real e as cobertas quentes de algodão e voltou ao vilarejo da capital para ajudar o seu povo. Seu peito ardia em pensar que ainda não era o suficiente, havia milhares de pessoas no interior da nação que estavam na mesma situação, mas ela não podia alcançá-las.

De repente, um grito estridente e feminino ecoou pelas ruas, chamando a atenção da jovem princesa. Sem pensar muito, desceu do cavalo e corri em direção ao barulho, sem se preocupar com a lama das vielas, pois há muito tempo já não usava mais vestidos. Em uma casa, quase no fim da vila, uma mulher implorava por socorro, gritando pela vida de sua filha. Aurora entrou no casebre rapidamente e Caleb saltou de seu cavalo atrás da princesa.