Sabe aquela sensação de quando você tira um cochilo durante a tarde e acorda totalmente desnorteado sem nem saber onde está? Isso é o que eu sinto agora.Meus olhos fitam o teto de madeira do quarto sem nem mesmo piscar, a luz do luar entra pela janela aberta e tremeluz junto as cortinas que balançam com o vento da madrugada.
O quarto está frio já que é inverno e as janelas estão abertas, mas me lembro que estavam fechadas quando eu entrei no quarto, não duvido que Nestha ou até mesmo Elain tenham a aberto de propósito.
Minhas costas estão doloridas pelo arco de madeira junto a aljava presos atrás de mim, eu havia esquecido de os tirar quando entrei no chalé e acabei dormindo com eles em minhas costas.
Forço meu corpo a me sentar na cama, minha pele está suada e molhada com os fragmentos de neve que estavam presos em minhas roupas e que há derreteram com o tempo.
O cheiro de suor é quase insuportável, me sinto quente e grudenta por toda parte, um arrepio sobe por meus membros quando a brisa fria entra pela janela e se choca contra meu rosto.
Meus lábios estão secos e minha garganta áspera pela sede, minha língua passa por meus lábios na tentativa de deixá-los úmidos o suficiente para que não doa tanto quanto agora.
Me levanto da cama calmamente e vou até uma cômoda que estava só lado da cama, abrindo a última gaveta que pertencia a Feyre, apanho algumas peças de roupas e uma toalha para ir tomar banho.
Fechando a gaveta caminho até a porta fechada e a abro calmamente, o interior do chalé está escuro mas na pequena escadaria há uma sombra na parede causada pela lareira que queima na sala.
Desço os degraus o mais silenciosamente possível e paro na sala observando a situação a minha frente, o pai de Feyre e agora meu pai também, eu acho? Está dormindo em sua cama improvisada próxima a lareira, enrolado em uma colcha de retalhos cobrindo até mesmo sua cabeça.
Nestha e Elain estão juntas dormindo no sofá, se abraçando e cobertas com um cobertor vermelho escuro, o rosto de Nestha está pressionado na caneca de Elain que respira baixinho enquanto seu rosto está colado contra o peito de Nestha.
Observo a cena a minha frente por apenas alguns segundos enquanto zombo dessa ótima família em meu coração, me dirijo até a porta ao lado direto da sala onde fica o banheiro, mas paro quando escuto um farfalhar vindo do sofá e uma voz afiada e fria vibrando em minhas costas.
— Minha irmã nunca havia tomado banho durante a noite, ela tinha medo porque sempre teve a sensação de ser observada pelos cantos do banheiro.
Meu corpo fica tenso por um único momento antes de relaxar lentamente, meu corpo se vira em direção a Nestha que agora está sentada no sofá mas ainda segurando Elain rente ao seu peito, como se estivesse a protegendo.
Um sorriso silencioso cruza meus lábios e meus olhos queimam junto a luz da lareira.
— Eu era muito infantil naquela época, irmã. Todos temos que amadurecer em um momento não é mesmo? — Minha voz contém uma infantilidade e ingenuidade no tom que não combinam com meus olhos que se estreitam em direção a Nestha.
Os olhos azuis cinzentos de Nestha estremecem por um segundo, suas pupilas parecem se contrairem quando nossos olhares de encontram.
— Você não é Feyre. Onde está minha irmã? — Nestha não parece exitar nem por um segundo antes de afirmar com convicção.
Minha cabeça tomba para o lado enquanto eu ainda a observo, minha língua corre por meus lábios novamente para umidece-los, um assobio baixo sai por minha boca enquanto eu me endireito lentamente.
— Se eu não sou Feyre, quem eu sou?
Minha pergunta paira no ar por apenas alguns segundos antes de Nestha me responder.
— Um demônio. Você é um demônio que tomou o lugar de minha irmã. — A respiração de Nestha parece travar por um momento antes de retornar ao seu padrão normal, seus músculos estão temos sobre suas roupas mas suas mãos estão tremendo enquando ela segura Elain mais perto de si.
— Um demônio? — Meus lábios estremecem enquanto eu seguro o riso que borbulha em minha garganta. — Se precisamos chamar alguém de demônio neste lugar, esse alguém não seria vocês?
Eu aponto meu dedo em direção de Michael, Elain e por fim Nestha, um sorriso de diversão cresce em minha boca e eu caminho lentamente até Nestha e paro a sua frente.
Eu inclino meu corpo em sua direção, sua mão agarra meu ombro com força ao ponto de suas unhas arranharem minha pele, meus lábios roçam em sua orelha e eu sussuro contra sua pele.
— Feyre está morta. — O corpo de Nestha estremece por inteiro, suas unhas cravam em minha pele e a ardência corre por mim mas eu não faço um único som. — Ela morreu de fome porque nenhum de vocês se deram ao trabalho de ajudá-la. Ela tinha 13 anos e vocês não se deram ao trabalho de cuidarem dela e por isso ela morreu.
— Ela morreu sozinha naquele bosque, chorando e soluçando na neve enquanto tremia. Ela morreu com medo e nenhum de vocês estavam lá para a confortar.
Minha mão se estica e agarra o rosto de Nestha, o forçando a olhar para mim, a forçando a olhar para o cadáver de sua irmã que possui uma outra alma.
Os olhos azuis de Nestha já estão vibrando violentamente contra seu rosto, posso ver o resquício de algumas lágrimas surgindo no canto de seus olhos mas se forçando a não caírem.
Meus dedos se esticam e acariciam lentamente o redor de seus olhos que estão avermelhados. Eu olho atentamente para Nestha e então sorrio suavemente, da mesma forma que Feyre teria sorrido para ela se estivesse aqui.
— Que grande irmã mais velha você é, Nestha Archeron. — Minha voz sai em um sussurro e eu sorrio enquanto me afasto de seu corpo trêmulo.
Eu paro em frente a porta do banheiro e antes de a abrir me viro para Nestha uma última vez e falo:
— Sabe, o pior de tudo isso é que Feyre ainda a perdoaria, a perdoaria e não guardaria rancor por tudo o que sua família a fez passar. Porque a verdadeira Feyre Archeron era estupidamente leal e amava sua família.
A porta do banheiro se fecha, eu não me movo e me mantenho em silêncio encostada contra a porta, escuro o farfalhar nos cobertores e então passos, a porta do chalé se abre e eu posso ouvir o som do choro fraco e contido de Nestha e de seus passos apressados em meio a neve.
Um sorriso satisfeito junto a uma risada baixa sai por minha boca enquanto eu vou para a banheira no canto do banheiro.
Tiro minhas vestes de couro com dificuldade, o material seco está colado contra minha pele e se gruda a ela como uma segunda pele, tirar a camiseta que se prendeu em meu pescoço quase me matou sufocada...
O pensamento de que quase morro uma segunda vez passa por minha cabeça e eu quase solto uma gargalhada alta o suficiente para acordar Elain e Michael dormindo na sala.
Já totalmente despida abro a torneira da banheira e surpresa! Não tem água quente.
Sério... que tipo de vida miserável é essa? Eu posso viver só comendo água e pão pelo resto dos meus dias mas não posso viver sem água quente!
Olho para a banheira com olhos cheios de ressentimento, resmungo enquanto desligo a torneira e respiro fundo por quase 2 minutos antes de ter coragem o suficiente para entrar na banheira.
Todo mundo sabe que a melhor tática para lidar com um banho frio e entrar de uma vez.
Rapidamente coloco meus pés na água fria e agindo meu corpo completamente. Não preciso mencionar que basicamente quase pulei para fora da banheira.
Mordi meus lábios fortemente para impedir o grito que subir por minha garganta de sair, senti o gosto metálico e enjoativo de sangue em minha boca por machucar a pele seca de meus lábios, minhas mãos agarraram a borda da banheira com força o suficiente para que os nós de meus dedos ficassem brancos e estalarem.
Fechei meus olhos fortemente e mentalmente planejei consertar esse problema essa manhã.
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Corte de Sonhos
FanficQuando o universo decide pregar uma peça, não há quem possa o impedir. Evangeline é pega de surpresa após descobrir que depois de morrer ela realmente não estava morta. Com um novo corpo, uma nova família, uma nova vida e vivendo em um mundo de fant...