Capítulo Único.

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You Get Me So High

Theodore Decker.

Para Boris Pavlikovsky,

Um feche de luz surge em meus olhos, já é de manhã, e eu não dormi nada, como todas as noites. Estou com um início de febre, Amsterdam é congelante nessa época.

Sonhei com ela de novo. Desde adolescente eu ia atrás dela nesses sonhos, todas as noites, mas nunca conseguia alcança-lá. Algo me impedia antes de chegar à ela. Eu sempre acordava ofegante, com o passar do tempo, aprendi a me acalmar sozinho. Já em outras, tinha você. Você me puxava para perto, me abraçava tão apertado, e cantava canções polonesas, que até hoje não sei quais são, para me fazer voltar a dormir.

Aquilo me acalmava, me acalmar em noites tensas era seu dom. Confesso que me sentia estranho, mas ao mesmo tempo não. Parecia tão bom, tão real, tão consolador, tão... você.

Espero que não tenha se arrependido de tudo que fizemos, as vezes eu me arrependo. Tentei resistir, mas não esqueço. Mas espero que de algo se arrependa. Desde que me contou que pegou ela de mim, a pintura, a única coisa que restava daquele dia, algo que me fazia... me lembrar de tudo.

Por que, Boris? Por que a pegou de mim? Se sentiria melhor por tê-la? Eu não entendo. E nem sei se quero. Definitivamente nenhum de nós planejamos tudo que aconteceu.

Eu matei um homem. Eu matei um homem por você. Isso é perturbador para mim, nunca em hipótese alguma pensaria em matar uma pessoa. Mas eu matei, e matei para te proteger. Nos proteger.

Me sinto um idiota, como naquela época. Usávamos entorpecentes sem parar, bebíamos garrafas e garrafas de álcool, para amenizar uma dor que só nós sabíamos.

E, por um longo tempo, não valorizei isso. Eu pensava que estava sob controle, como até pouco tempo atrás também. Mas, na época era mais do que eu podia lidar, do que nós podíamos lidar. Então, eu só queria estar chapado o tempo todo. Com você.

Sempre te achei mais forte do que eu, você é alguém mais forte do que eu. Seu sorriso meio amarelado, as vezes errático, com um ar de não saber o que fazer além de soltá-lo; não demonstrando tristeza ou medo, nada além de uma emoção, fingida ou não, que não pode ser descrita além de alguém já conhece o seu jeito. Seu rosto, fino porém marcante, seu olhar, cheio de marcas do passado em seu interior. Você é forte, Boris.

Eu nunca fui, tentava, mas não fui e nem sou. Sempre que as coisas se acumulam, injeto o que me agradar no corpo, cheiro o que está disponível, me dopo só para fugir da realidade. Fugir do passado. Fugir de mim. E não funciona.

Você é uma das únicas coisas boas do meu passado. Se pudéssemos deixar tudo para trás, se eu pudesse esquecer o que fizemos. Se pudesse esquecer o que você fez. Mas não posso.

Pelo menos ainda gosto de estar chapado, e você também. Chapado o tempo todo. Chapados o tempo todo. Você sempre vem comigo para isso, você sempre veio.

Queria não ter te contado sobre O Pintassilgo, talvez evitaria... tudo. Se quer me lembrava de ter te contado, mas desde que me disse que tenho momentos de amnésia, algumas cenas em relance voltam à mim.

Talvez algumas expliquem o seu beijo de despedida.

Estou ao lado de algumas garrafas de vodka, a sua favorita. Comprimidos incontáveis agora espalhados pela mesa. Você é a minha última escrita. Nem sei para aonde devo enviar isto, mas vou tentar pensar em algo.

You Get Me So High - Boreo.Onde histórias criam vida. Descubra agora