CAPÍTULO 17

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"O desastre é a oportunidade da virtude."

- Sêneca.

"Tudo que é bom dura pouco."

Eu já havia ouvido aquela expressão diversas vezes durante minha centenária existência, mas pela primeira vez naquela noite eu a experienciei na pele.

Assim que Daisy Song abriu seus olhos redondos e me fitou de tão perto, a expressão, antes sonhadora e satisfeita, transformou-se em um misto de pavor e tristeza. Já não parecia a jovem e inocente Daisy com a qual eu jantara, mas sim uma versão sua mais velha e sábia e cheia de cicatrizes.

— Por quê, Hyun? - Ela questionou, gritando. As lágrimas caíam como cachoeira. Sua respiração estava descompassada. — Por que você fez aquilo? Devia ter esperado pela sua hora de ir! - Ela exclamava com a voz embargada e disparava leves socos em meu peito.

Só fui perceber depois que lágrimas me escorriam rosto abaixo também. Subitamente, aquela dor avassaladora que já era familiar atacou meu corpo inteiro como não fazia há tempos. Sem conseguir evitar, desvencilhei-me da garota, levando minhas mãos ao peito em uma falha tentativa de reduzir a dor.

Culpa. Arrependimento. Desespero.

Por alguma razão, eu agora sabia nomear os sentimentos por trás daquela terrível sensação. Eu me sentia tão completamente arrependido pelo que tinha feito. Mas o que eu havia feito? Qual havia sido meu pecado imperdoável?

— Você precisa se lembrar, Hyun. Precisa se lembrar e não fazer o mesmo novamente. - Daisy falou como se lesse meus pensamentos. Sua voz carregava a mais palpável aflição. — Você precisa perdoar a si mesmo. - Ela informou pausadamente, angustiada. Então seus olhos se fecharam em câmera lenta e ela desmaiou. Por sorte, meus reflexos foram ágeis o suficiente para evitar que ela batesse a cabeça no chão. Agarrei-a em meus braços, checando seus sinais vitais, mas tudo estava em ordem. Ela dormia um sono tranquilo, similar a um transe. Ali, sentado na rua com Daisy Song em meus braços, eu senti que já havia vivido algo assim anteriormente e que a tragédia era uma constante para nós.

Carreguei Daisy Song pelas quadras que faltavam até a casa de sua avó. Pouco antes de eu tentar soltá-la na calçada para bater à porta e tentar formular algum tipo de explicação, a garota começou a resmungar baixinho e abrir os olhos lentamente.

— Hyun? O que aconteceu? - Perguntou em uma voz enfraquecida. Ajudei-a a ficar de pé sozinha, dando-lhe suporte com meu braço em suas costas.

— Você desmaiou logo depois de... - Comecei a mentir, mas logo fiquei apreensivo. Até onde ela lembrava?

— De nos beijarmos? - Ela indagou, não parecendo envergonhada ou assustada com isso.

— É, isso, exatamente. - Assenti, aliviado. Era melhor que ela não se recordasse daquelas falas, pois elas com certeza não pertenciam àquela Daisy que estava ali agora. Pelo repertório de conhecimentos a respeito do pós-vida que eu havia adquirido com Nemosine, Samyaza e minha própria experiência, o que havia acontecido podia ser um espelhamento de uma vida passada por estar revivendo sensações similares.

— Puxa, será que também estou desidratada? - Questionou, esfregando os olhos. — Acho melhor beber um chá antes de dormir e muita água a partir de amanhã. - Estabeleceu, tranquila, sem o mínimo resquício de memória da cena devastadora que havia vivido há poucos minutos.

— É uma boa ideia. - Concordei, sentindo-me exausto de repente. Eu e Daisy jamais teríamos momentos normais juntos.

— Bem, eu adorei nosso encontro. - Ela disse sorrindo, apesar do cansaço. Aproximou-se, apoiando as mãos em meu peito e deu-me um beijo suave de despedida. — Boa noite, Hyun. - Desejou-me, dando as costas, mas decidiu dizer mais algo antes de ir. — Até mais.

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⏰ Última atualização: Dec 30, 2023 ⏰

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