A Tempestade

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É sexta-feira, o céu do entardecer está repleto por nuvens negras de chuva e o vento sopra forte, assobiando em cada fresta de janela. Meu horário de trabalho era habitualmente de manhã, porém, agora que estou de férias da faculdade, meu chefe ordenou que eu entrasse no período da tarde, até o horário de fechamento da loja, a partir de hoje. Os outros funcionários vão embora às 18h e eu fico sozinha durante as proximas duas horas.

Eu arrumo o local e fecho o caixa, estou ansiosa para chegar em casa, pego minha bolsa, eu já estou preparada para sair quando olho ao redor, as paredes cor de mel ganham uma nova tonalidade após o pôr do sol, me dou conta de que nunca estive completamente sozinha na cafeteria. Essa é minha oportunidade de tocar aquele piano marrom escuro e envernizado, que fica no fim do salão e ninguém encosta sequer um dedo nele, a não ser para tirar o pó, parece estar ali apenas como decoração. Não posso me conter, dou meia volta, apoio minha bolsa e casaco em uma das mesas e acomodo-me no assento acolchoado, em frente o piano, ergo a tampa de madeira e pressiono algumas teclas, suas notas eram nítidas e suaves, existe algo mais prazeroso do que sentir a tecla macia de um piano? Começo a tocar, me deixando levar pela melodia dramática que toma conta de mim, meus braços dançam acompanhando minhas mãos, eu fecho os olhos e foi nesse momento que senti um arrepio frio em minhas costas, levo um susto e subitamente retiro as mãos do piano, gerando um som feio e desafinado. Antes mesmo de me virar, eu já sabia que era ela atrás de mim.

- Oh! Desculpe-me, não quero atrapalhar. Por favor, continue.

- Ah... não te vi entrar, que surpresa te ver!

- Bem... eu vim aqui hoje cedo, mas você não estava.

Disse enquanto sentou-se ao meu lado, abri espaço para ela, mas ainda assim, nunca estivemos tão próximas. Com seus dedos compridos, Morgan inicia uma melodia, as unhas esmaltadas de preto me hipnotizam, uma mecha de seu cabelo escorre sobre suas bochechas.
Ela me procurou hoje cedo?
Morgan é mesmo muito habilidosa, o piano soa tão limpo, nunca vi alguém conhecer tão bem um instrumento, como se fosse uma extensão de seu corpo. Neste momento, me esqueci de qualquer preocupação, apenas senti aquela canção preencher o ambiente, se mesclando com o som das gotas de chuva caindo no telhado e escorrendo pelas calhas.
Quando percebo, ela olha para mim, eu desvio as pupilas por um momento, mas olho novamente em sua direção. Ela está esperando que eu a acompanhe, mas não sei se conseguiria, ela é realmente muito boa. De qualquer forma, seria uma grande falta de respeito se eu não o fizesse. Levanto as mãos e espero a hora certa para entrar na canção, então quando me dou conta, já estamos tocando juntas, uma em cada lado do teclado, foi desafiador, mas eu amei a sensação! Neste momento, tenho a sensação de estarmos conectadas através desta canção que criamos, a música tem esse incrível poder de unir as pessoas.
Tudo estava tão bonito, até eu me perder; meus dedos tropeçam uns nos outros, eu me perco na música e paro de tocar novamente. Morgan também encerra.

- Nossa, você é ótima nisso!

Exclamo.

- Eu adorei te ouvir tocar.

Ela responde. Não sei se ela fala sério ou está apenas sendo simpática, porém, me sinto lisonjeada. De repente me recordo sobre o horário.

- Essa não! Preciso ir agora, já está tão tarde...

Olhamos pela grande janela, a chuva ainda está muito forte, os clarões de raios iluminam o interior da cafeteria como flashes e o vento forte chacoalha os galhos de árvore, como num filme de terror.

- Teremos que esperar.

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