Pesadelo Sangrento

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A cafeteria fica realmente vazia durante a noite, sinceramente, não entendo a necessidade de ficarmos abertos até tão tarde.
Todos os clientes e funcionários já partiram, exceto Morgan, que desde aquele dia chuvoso, todas as noites, vem tomar o seu café, espera até restarmos apenas nós duas para que possamos conversar por alguns minutos, até que eu de fato feche a loja. Ela faz questão de sempre me levar até em casa no seu belíssimo carro preto, pois o caminho é muito perigoso para que eu voltasse sempre a pé e sozinha. Posso afirmar que ela se tornou uma grande companhia de longas conversas, me sinto muito mais segura com sua presença e a cada dia mais encantada por sua beleza e personalidade cativante. Ela é tão gentil comigo e muito inteligente.

- Me permite fazer uma pergunta indiscreta? - Diz ela, sentada em uma das mesas, enquanto eu passo pano no balcão para limpá-lo. - O que causou estas cicatrizes pelo seu braço?

Era realmente uma pergunta indiscreta, mas eu nunca me importei em esconder este lado da minha vida, então termino de limpar, me apoio no balcão e respondo.

- Minha mãe, Rosa. É uma mulher doente e alcoolatra, nossa rotina era formada por desastres constantes. Eu tinha por volta de 9 anos, era mais um desses dias em que ela cuidava de mim enquanto sequer mantinha a consciência, eu corria atrás dela por toda a cozinha e então, ocorreu o acidente com fogo. Meu irmão ligou para uma hambulância que nos socorreu a tempo. Ainda me lembro da dor que senti quando ganhei esta queimadura. - digo apontando para a mancha avermelhada que deformada minha pele - Mas estes outros cortes que tenho no braço, foram eu mesma que fiz, nessa mesma época. - Morgan fitava seus olhos nos meus, em silêncio, percebo sua preocupação, então tento aliviar o clima - Sabe, quando pequena, acreditava fielmente que minha mãe estava possuída! Que idiota, não?

Digo, desviando o olhar e soltando um riso tímido.

- Aurora, eu sinto muito!

Ela levanta, aproxima-se de mim do outro lado do balcão e apoia sua mão sobre a minha.

- Por mais que eu odeie isto, desejo encontrá-la bem em algum momento, que ela consiga viver saudável e limpa.

- Mas e você? Você está bem agora?

- Quando meu irmão completou 20 anos, conseguiu mudar-se para uma nova casa, me levando junto. Ele me salvou!

Morgan franze as sobrancelhas e aperta seus lábios.

- Eu devia ter te encontrado antes.

- Não se preocupe, eu estou bem agora.

Digo acariciando as costas de sua mão sobre a mesa de madeira.
Já está tarde novamente, encerro a cafeteria, ambas entramos no carro e eu pergunto:

- Posso fazer uma pergunta indiscreta?

- Acho que te devo uma.

Ela ri.

- O que faz seus olhos serem avermelhados?

Ela olha pra frente enquanto dirige com apenas uma mão sobre o volante, parecendo exitar em sua resposta.

- Falta de melanina na íris.

- Nossa! Nunca ouvi falar. É uma coloração tão única e bonita.

Me calo imediatamente, ao perceber o que acabo de dizer. Com muita vergonha por me deixar escapar um elogio.

Mais tarde neste mesmo dia em casa, Daniel acomoda-se no sofá da sala e eu, inquieta, ando de um lado para o outro em frente a televisão, debato com ele sobre esta minha incerteza.

- Eu acho que você deveria sim!

Opina ele.

- Não! Eu não devo...

Resmungo preocupada.

- Você pediu a minha opinião. E eu digo que sim, você deveria convidá-la para o baile!

- Mas e se eu estiver confundindo as coisas entre nós? Se não for isso o que ela quer?

- Então esta será a hora perfeita para descobrir, você não pode adiar isso para sempre. - Eu respiro fundo, sei que ele está certo. - Mas cá entre nós, ela vai aceitar, não sei por que ainda tem duvidas.

- Por que você diz isso?

Ele me olha com suas pálpebras caídas e sobrancelhas levantadas.

- Essa mulher só aparecia na cafeteria de manhã e agora ela está lá todas as noites, te esperando, dando carona! Com certeza tem algo acontecendo, não se finja de boba! - Ele boceja, se levanta e sobe as escadas, seguindo o caminho de seu quarto - Boa noite! Desliga essa televisão e vai dormir também, já é tarde.

Por mais que eu odeie receber ordens, farei o que foi mandado, pois também me sinto exausta. Tomo um banho quente, coloco meu pijama mais aconchegante, apago as luzes e me envolvo dentre as cobertas. Tomo alguns minutos até pegar no sono.

Sou acordada no meio da noite, pela estranha sensação de algo tocando levemente meu cabelo, olho em volta, vejo apenas a mobília sendo sutilmente iluminada pela luz do luar que entra pela janela atravessando a fina cortina. Estendo meu braço e alcanço meu celular na estante ao lado da cama. O relógio marca 4h25 da manhã, eu olho em volta mais uma vez, no reflexo no grande espelho da penteadeira o meu próprio rosto esbranquiçado pela iluminação do aparelho, olhando mais atentamente, percebo algo se movimentando atrás de mim. Eu grito e pulo para frente, saio correndo com dificuldade, pois os lençóis se enrroscam nos meus pés, finalmente alcanço o interruptor e a lâmpada clareia meu quarto, ofuscando minha visão; quando abro os olhos vejo que não há mais nada alí, ouço passos se aproximando rapidamente, no escuro corredor, mas antes que eu possa me movimentar, uma mão me alcança pelo ombro, num suspiro aliviado vejo que é apenas Daniel, que veio checar se eu estou bem.

- O que houve? Te ouvi gritando!

- Tenho certeza que vi algo se mexendo perto de mim!

Nós procuramos em todos os cantos, mas a coisa que vi era muito grande para ser um animalzinho que se esconde facilmente. Sem sucesso, meu irmão volta ao seu quarto, eu me acalmo e me preparo para voltar a dormir, ao ver que a janela está aberta, me aproximo para fechá-la e percebo o que parece uma pequena mancha vermelha e fresca no batente, que suja meu dedo quando encosto. Sem outra opção, apenas tranco a janela, limpo a mão e suplico para uma boa noite de sono.

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⏰ Última atualização: Jun 25 ⏰

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