5. Ashton

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Eu aguentei. Com lágrimas nos olhos e punhos cerrados tomados pela raiva, eu aguentei. Aguentei todas as ofensas, todas as agressões físicas, verbais e psicológicas. Aguentei todas as brigas em casa, nas quais eu sempre acabava sentado no chão do meu quarto contra a porta, tentando abafar os soluços causados pelo choro incessante que enchia meu corpo com um misto de sensações como nojo, desprezo, incompreensão, tortura, e ódio, me sufocando cada vez mais e mais.

Aguentei todas as vindas da escola de volta para casa, me escondendo de ridículos preconceituosos sedentos por sangue. Aguentei todos os anos sentados no fundo da sala, escrevendo cartas de amor e desabafo ao meu amado que estivera longe por tanto tempo.

Chorei em silêncio, sonhei às escondidas, sorri quieto, aguentei calado. E sozinho, aguentei por ele.

Mas agora vê-lo jogado no chão do estacionamento da escola, suando, gritando e dobrando-se de tanta dor, era como se meu mundo houvesse caído. Cada soco que ele recebia era como uma facada em meu peito, ardendo e sufocando. Não podia acreditar no que estava vendo, minha respiração começou a falhar, esqueci como se andava, como se falava. Estava atônito demais com a situação para conseguir mover um músculo do meu corpo sequer.

Mike, o meu Mike estava ali sendo agredido. E é nessas horas que eu me pergunto: como o mundo se deixou ser assim? Homofóbicos sem escrúpulos acabam com a vida de homossexuais inocentes, que apenas buscam a felicidade, e acima de tudo, a liberdade, que deveria ser um direito fundamental para qualquer ser humano. Mas infelizmente pessoas de mal caráter e infelizes com sua vida de merda, não conseguem aceitar que o mundo não gira em torno delas, e existem pessoas diferentes de si. Não conseguem entender, que assim como querem respeito, devem respeitar também.

E eu estava ali, parado, sem agir. Então corri até ele, e logo me acertaram um soco também. Caí, apaguei. Quando consegui me recompor, Mike estava sangrando mais do que o normal, o que me causou um pavor inexplicável, ar faltou em meu peito, minhas mãos tremiam, não conseguia pensar em mais nada além de: eu não posso perdê-lo.

Pensei em ligar pros meus pais, mas eles pouco fariam. Pensei também em ligar pros seus pais, mas hesitei. Confesso, por parte, hesitei porque queria o próprio Mike contasse a verdade à eles. Por outra, porque havia um certo medo e receio relacionado à eles. Então apenas liguei para a emergência, que chegou em poucos minutos e o levou para o hospital.

Ele havia sofrido um traumatismo craniano, estava em coma. Eu não saia do hospital em nenhum momento, seus pais já sabiam a verdade e uma alegria incondicional me irradiou quando soube que eles não haviam problema com isso, queria que meus pais fossem assim.

Cerca de 1 semana depois, após Mike conseguir mexer sua mão e chegar ao encontro dos meus dedos, causando uma das sensações mais felizes da minha vida, esperança e amor se juntavam em meu peito e se iam em forma de lágrimas que rolavam pelo meu rosto, ele se foi. E com ele, um pedaço da minha alma se foi junto. Anos, suportando tudo, por ele. E ele se foi.

Não sabia como suportaria um dia sem ele ao meu lado, não sabia como suportaria viver em um mundo sem ele. Sem seu carinho, seus seus lábios carnudos e quentes, sem seus abraços acolhedores e reconfortantes. Sem suas palavras me transmitindo confiança, "você consegue Ahston". Agora eu simplesmente não conseguia. Meu mundo sem ele é um eterno vazio, e me sinto sufocado em saber que não respiro mais o mesmo ar que ele, como suportaria o resto da vida?

Com o tempo, descobri que a resposta era simples, eu não suportaria nem mais um segundo sequer.

O som do disparo da arma ecoou pelo cômodo de minha casa.

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