Começo

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Outubro de 2020.

- O problema, Gabi, é que você mora em Berlim e eu moro em Dortmund. - Thaynara explicava, em videochamada, para sua amiga Gabriela que o mundo não era um morango.

- São três horas e meia de trem. 45 euros só!

- Só na sua cabeça 45 euros são coisa nenhuma. Bolsistas de biomedicina... Prefiro gastar com ingresso de jogo - bufou Thaynara, ao lembrar que as bolsas das duas amigas são bem diferentes.

- Mão de vaca!

Thay fazia doutorado em Linguística e Educação na Universidade de Dortmund. Para sua família no Brasil, a importância disso era gigantesca; ela era a primeira pessoa no grupo a fazer doutorado e tinha tomado a coragem de estudar e morar sozinha na Europa. Sua mãe estava desesperada? Claro que sim, mas seu pai sempre ensinou que o mundo era dela e ela precisava enfrentar. Sua sorte é de que Gabriela, amiga de ensino médio e faculdade, também conseguiu uma bolsa para estudar na Alemanha. 

O azar era que as universidades estavam a três horas de distância.

- O sindicato de professores daqui de Berlim vão entrar em greve. Ganham muito pouco e ainda está faltando professor para várias disciplinas. A cidade pode virar um caos e, aí, eu aproveito para te visitar.

- Imagine se eu contar isso para os meus pais. Minha mãe fala para todas as pessoas na cidade que agora estou recebendo o devido reconhecimento da profissão. - Thay ri do pensamento da mãe. - Professor não é valorizado em lugar nenhum. Pelo menos, estou conseguindo aplicar algumas coisas legais do estudo no estágio. Os alunos gostam quando eu ensino algo sobre português junto com o alemão.

- Ensine "meu cu" pra eles. 

- Você é doente.

- Ou "nem se eu der o cu na esquina".

- Ah, claro.

- Se quiser combinar com sua personalidade econômica, "não tem nem dinheiro para cagar na rodoviária".

- Acho, só acho, que eles ainda não estão preparados para a nossa cultura anal. - gargalhou Thaynara. - Enfim, me avise se conseguir vir no fim de semana. Deixarei a chave debaixo do tapete, caso você chegue e eu ainda não esteja em casa.

- Você e sua mania de estudar e trabalhar o tempo todo. Isso ainda vai te matar.

- Eu não sou este lindo ser humano que ganha uma bolsa de estudos boa da universidade de Berlim e consegue viajar o mundo como certas pessoas...

- A vida é uma só e as passagens "low cost" são várias.

- Lindas palavras, tô arrepiada. Beijos, te amo.

- Küsse.

Thaynara virou a cadeira do escritório para olhar a janela do quarto. Já estava anoitecendo e ela precisava fazer a marmita do dia seguinte. O frio chegava aos poucos na cidade e ela estava cada vez mais ansiosa, pois o inverno era sua estação preferida. Preparou a roupa e o casaco para a aula do outro dia, arrumou a refeição no potinho preferido de sua mãe e foi se preparar para ler um bom livro e dormir. Enquanto isso, a tímida luz do pôr-do-sol a lembrava de todo o início.

Agosto de 2020.

Thaynara chegara em Dortmund no meio da pandemia. Antes do mundo parar, ela estava em casa, festejando com os pais e a irmã a nova vida que iria ter naquele ano. Seus amigos se perguntavam o porquê de Dortmund ser a cidade escolhida, e não Berlim ou Munique. Mas desde a sua adolescência, ela sempre procurou o diferente para se encaixar. 

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