E P I F A N I A

PARTE 2 | O PÍER

Wendy acabara de ter mais um pesadelo que lhe roubou o sono. Sua garganta estava seca como um deserto, mas o resto de seu corpo suava sob os lençóis finos de linho. Ainda deitada, com a respiração levemente ofegante, olhou para o relógio da parede e viu que marcava duas e trinta e cinco da manhã, o mesmo horário que acordara em uma outra noite. Seus pesadelos ficavam cada vez mais intensos, Wendy desconfiou que a medicação já não surtia efeitos sobre ela, então planejou conversar com o psiquiatra chefe do hospital pela manhã.
Ela descobriu seu corpo e pulou para fora de sua cama, indo em direção à porta. Não era permitido sair do quarto durante a noite, muito menos perambular pelo sanatório, mas seu estômago se revirava de tanta fome. Não sabia que dia da semana era, ou em que mês estavam, nem sequer se lembrava de quando havia feito sua última refeição. Estava a tanto tempo tomada pela inconsistência de suas capacidades neurais, que temia esquecer até mesmo seu próprio nome.
Wendy caminhou pelos corredores indo em direção à cozinha que, para seu azar, estava trancada. Mas como sabia que ninguém se importaria com ela, tirou um grampo que estava convenientemente afixado em seus cabelos e o usou para abrir a tranca do cadeado.
As correntes caíram no chão fazendo muito barulho, mas não se importava. Wendy entrou no lugar e pôde sentir o cheiro de torta de amoras vindo da geladeira, parecia que estava sonhando. Abriu a porta de metal do compartimento frio e se vislumbrou com a linda torta que parecia brilhar aos seus olhos. Sem pensar muito, agarrou a travessa e se sentou em uma cadeira, próxima a uma mesa. Achou uma colher jogada por ali, no chão, e passou a devorar aquela torta como se fosse a última coisa que comeria em sua vida.
Há muito tempo não comia algo tão gostoso, a combinação entre a calda feita com açúcar e amoras frescas disposta sobre a massa macia e suculenta formavam um casal de sabores que derretia na língua de Wendy e a levava ao êxtase. Era só uma torta de amoras, mas não para ela.
De repente, Wendy notou a silhueta de alguém se aproximando na penumbra. Largou a torta imediatamente em cima da mesa e tentou se limpar, pensando que isso poderia, de alguma forma, inocenta-la. Talvez tenha feito barulho demais, a ponto de alguém finalmente se importar com suas ações, não de maneira positiva, é claro.
Quando seus olhos piscaram algumas vezes, ela ficou aliviada por ver Ethan parado em sua frente com um sorriso despretensioso e meigo.

— Quantas vezes vou ter que te salvar das enrascadas que você mesmo se mete, hein? — Ele tinha um tom de voz acolhedor brincalhão.
— Estava com muita fome, não podia perder a chance de comer algo tão gostoso pela primeira vez em anos — disse ela enquanto lambia os dedos.
— Mas não precisa acordar todo mundo para isso — ele riu.
— Acordei você?
— Não, eu estava dando uma volta por aqui quando ouvi um barulho vindo da cozinha, só vim checar o que era.
— Estava passeando durante a noite, Ethan? Sabe que é proibido, não é? Regras são regras — ela sorriu.
— Eu senti que uma amiga poderia precisar de mim — disse ele.

Wendy abaixou o olhar envergonhada, no fundo se sentia culpada pelo que estava fazendo.

— Vamos guardar isso e limpar essa bagunça — ele sugeriu. — Depois damos o fora daqui e você fica livre de punições.
— Já te contaram sobre elas?
— Sei muita coisa sobre esse lugar, menina. Agora vamos logo antes que alguém nos veja.

Ethan e Wendy guardaram a torta, limparam a bagunça que ela fizera e deixaram a cozinha, trancando novamente a corrente atrás deles.

— Valeu por me ajudar — disse ela.
— Acho que, no fim das contas, o crime compensa, não é?
— Por uma torta de amoras eu faço loucuras.

Ele riu enquanto encarava a jovem Wendy. De repente, uma ideia pareceu surgir em sua mente, então ele pegou a garota pelo pulso e a guiou para fora dali. Mesmo sem entender o que estava acontecendo, Wendy o seguiu por alguns metros, até que a dúvida pulsasse em seu peito.