John

66 7 1
                                    

Deixei-me cair atrás de um carro por um segundo enquanto as balas de uma metralhadora voavam acima de mim. 

Eu estava exausto e sem fôlego, e aparentemente tinha irritado pessoas demais. Fechei os olhos, incomodado com o barulho ensurdecedor. Como eu podia mudar tão drasticamente minha situação? Na noite passada, Helen embriagava-me com seu sorriso e com seu perfume doce. Nesta noite, eu estava coberto de sangue e uma chuva de balas não parava de pairar sobre mim. 

Suspirei pesadamente, esperando o imbecil controlando a metralhadora ficar sem munição, dando-lhe um tiro na cabeça em seguida. A medida que a noite ia avançando e a máfia italiana de Nova Iorque ia ficando sem cabeças, minha vontade de ver Helen só aumentava. Ela me acolheu e aceitou-me, de modo que agora eu estava demasiadamente ansioso para estar com ela novamente.

- Sinto muito, Signore Wick - disse Lorenzo Bianchi quando me aproximei - Só estávamos honrando a família que o signore assassinou - era lamentável ter de ver um homem que era antes um grande chefe da máfia italiana no chão impotente. 

- Essa família que você disse, assassinou mais pessoas do que você e eu podemos contar, então por favor - murmurei, enquanto atirava em um imbecil que tentou-me atacar por trás - Não tente se justificar. 

Ele olhou-me com ódio, enquanto percebia sua situação. Tirou do bolso da calça uma caixa de cigarros e acendeu um, ainda que com muita dificuldade. Eu observei num gesto de respeito, pois ele sabia que sua vida não era mais sua. 

- Não vou me justificar - ele disse, depois de tragar algumas vezes e suspirar - Mas se eu pudesse voltar no tempo... As coisas boas de uma vida normal que não conheci... - ele dizia, exasperado e com os olhos suplicantes - Conheça essas coisas, Signore Wick - gritou, desesperado por um momento - Conheça como é sentir paz uma vez na sua vi... - uma dor forte o interrompeu, fazendo-o ofegar. 

Pensei na noite passada, meu primeiro encontro depois de uma vida a serviço da morte e compadeci-me por ele. Mirei a arma na sua nuca, numa forma de evitar uma morte dolorosa. 

- Eu já a conheci - eu disse, apesar de nunca ter falado com uma pessoa com a vida confiscada por mim - E a quero para mim - sussurrei, para o corpo sem vida que caia no chão. 

Dirigi-me até Viggo mesmo que fosse tarde da noite. Não importava a hora, ele nunca dormia em horários convencionais, pois homens como ele tinham medo de dormir. Em seu edifício exageradamente luxuoso, eu tinha livre passagem. As portas se abriam a minha frente sem que eu pedisse para isso, e pessoas se afastavam a medida que eu me aproximava. Um licor forte foi servido a mim assim que cheguei numa sala privada, onde uma mulher loira avisou que Viggo já vinha me ver.

- John, meu amigo - a voz grave de Viggo irrompeu a sala - Então, finalmente podemos comemorar? - sua felicidade era evidente no seu sorriso ganancioso. 

- Considere-se livre dos italianos aqui na cidade - murmurei, sem humor. 

Ele sentou-se na mesa, rodando em sua cadeira como uma criança pequena. O ambiente estava carregado pela fumaça do seu charuto e eu estava impaciente para sair dali. 

- Agora finalmente estamos a frente da concorrência - disse ele, tragando o charuto - Você fez um ótimo trabalho - acrescentou. 

Assenti e virei-me para ir embora. 

- Ah e John - chamou Viggo - O Alexei acha que você está saindo com uma mulher e eu não tenho absolutamente nada a ver com isso, mas... 

- Sim? - perguntei, desejando poder esfolá-lo apenas com um olhar. 

- Bom, ele disse que ela é apenas uma pessoa comum e não da Cúpula e achou melhor avisar-me...

- Como ele sabe dela? - interrompi, impaciente. 

- Creio que Ivan contou... Sabe... Depois de você ameaçar matá-lo - disse Viggo, pausadamente. 

- Se Alexei ou Ivan chegarem perto nem que seja por um segundo perto dela, eu não vou ameaçá-los - murmurei - Eu vou matá-los - Viggo ergueu uma sobrancelha e eu sai, não esperando para ver sua reação com a minha raiva. 

Pensar em Alexei vigiando Helen... A perseguindo... deixou-me sem ar, segurando o volante com tanta força que senti que poderia arrancá-lo do lugar, mas que se o soltasse, arrancaria a porta do carro e cortaria Alexei e Ivan em pedaços, com minha próprias mãos. Essa emoção avassaladora e incontrolável cegou-me completamente, como um maníaco alucinado e doente, fazendo-me cair na realidade apenas quando percebi que havia estacionado o carro na frente do apartamento de Helen. 

Observei sua janela por um longo tempo, mas sem conseguir ficar tranquilo o suficiente para ir embora. Eu tinha seu número de telefone, fruto da investigação que fiz quando ainda desconfiava dela, mas passava de três horas da manhã e ela deveria estar dormindo, então uma mensagem ia ser em vão. 

Sai do carro, determinado a vê-la. Não me importava que estava sendo tão doente quanto qualquer outro criminoso ao fazer isso, pois eu era muito pior do que isso. Eu aceitava o fato de que ia para o inferno, então por que não aproveitar algumas habilidades que aprendi por uma boa causa? 

O prédio dela não tinha câmeras próximas, pois o bairro era humilde demais para as pessoas pagarem por isso. Abri facilmente o portão lateral, que levou-me a uma escada de emergência mal iluminada. Subi os andares lentamente, parando em frente a porta que continha uma placa com um número 3 entalhado. O tapete felpudo e um vaso de jardim repleto de margaridas indicavam quem morava no local. Levei um minuto para destrancar a porta duramente chaveada e parei de respirar quando a abri. 

O apartamento era pequeno, com uma decoração simples e delicada, mas tudo ali transparecia ela. A pequena sala estava desarrumada, com livros grossos e acessórios espalhados pela mesa de jantar. Uma iluminação mínima vinha de um abajur antigo, revelando um pequeno estúdio de pintura num canto, onde tintas e papéis estavam empilhados de forma desorganizada. Observar tudo isso em sigilo, sabendo que ela não iria me dar acesso dessa forma a sua vida tão rapidamente como eu desejava, fez-me ver que havia um lado de Helen que eu não conhecia; um lado que ilustrava, que gostava de margaridas e que era absurdamente desorganizado.

 O ruído baixo de um aquecedor me fez mais do que nunca ansiar ser um homem normal; Helen dormia tranquilamente em seu quarto, com o cobertor amarrotado sobre ela. Encostei-me na porta, sem conseguir tirar os olhos. Como eu pude pensar no início em fazer algum mal a ela? Agora, observando Helen com o rosto relaxado em seu estado de inconsciência, com os lábios entreabertos e o cobertor cobrindo seu corpo pequeno, só consegui imaginar-me ali com ela, com os braços em seu entorno e aconchegado a ela como estivemos na noite passada. Se seu perfume já estava presente no ar agora enquanto eu estava ali, na sua pele devia estar mais delicioso ainda. Como devia ser dormir com alguém tão em paz assim, sentindo seu perfume e ganhando seus sorrisos ao amanhecer? 

Eu a desejava com tanta necessidade que meu peito doía de angústia, sabendo que quando a visse novamente não poderia tocá-la como eu desejava agora, mas confortei-me pelo fato de que pelo menos ela tinha sentimentos por mim. Talvez não tão fortes como os que eu nutria por ela, talvez não tão possessivos, mas ela tinha. 

Despedi-me da bela imagem a minha frente, e sai de sua casa, determinado a mandar uma mensagem quando fosse de manhã, marcando outro encontro. Talvez ela gostaria de jantar, em algum lugar calmo, onde pudéssemos conversar. Eu queria saber mais sobre ela, sobre sua vida, seus gostos, suas decepções e seus planos para o futuro; queria saber de quais livros gostava, de quais lugares queria conhecer. 

 Ansiando por isso, tranquei o apartamento dela novamente com o grampo improvisado e voltei ao carro, um Mustang Shelby 1966, perguntando-me se ele estava à altura dela. Ela parecia gostar de carros clássicos e eu não via a hora de saber como ela adquiriu aquele que tinha. 

Helen tinha muito mais a oferecer do que um assassino condenado, mas eu estava disposto a provar meu valor para ela.






RenascendoOnde histórias criam vida. Descubra agora