A cidade de Hawkins sempre adormecia cedo. Poucas horas após o anoitecer bastavam para que todos os habitantes se retirassem de seus afazeres, realizassem suas rotinas e se despedissem de seus familiares. Mal chegavam às 22h.
Na residência Byers, porém, as coisas corriam um pouco diferente. Nesta fatídica noite chuvosa, Joyce estava na casa do xerife da cidade aproveitando as benesses de seu namoro com o homem. Jonathan, o filho mais velho, sim, estava desmaiado — se entregou aos sonhos facilmente após cumprir três turnos diretos na pizzaria. Por fim, William Byers, que até há pouco estava acordado, enfim, dormia.
O menor dormiu tardiamente, como ocorreu em todas as noites das últimas duas semanas. Sempre antes de conseguir se entregar ao aconchego dos cobertores, havia uma sessão de aflições na qual batalhava com seu cérebro e encarava o teto de seu quarto. Consequências da briga passada.
Infelizmente, porém, nem mesmo inconsciente Will se via livre das questões que remoía. Em seus sonhos, sempre era pauta o garoto que, até pouco tempo, chamava de melhor amigo. Digo, ele ainda podia chamar Mike Wheeler de melhor amigo, certo?
Falando em Michael, ele não dormia como o restante da cidade. Na verdade, estava agora tomando coragem para bater contra a janela do quarto de Will. Já há dez minutos estava ali, a chuva fria o molhou dos pés à cabeça e só conseguia pensar se não deveria voltar para casa.
O Wheeler também esteve repensando muitas coisas nestes últimos dias. Bastou deixar escapar aquela infeliz frase para que começasse a ver tudo por um prisma diferente.
Precisava falar com Will. Precisava deixar tudo claro. Contar para ele.
E precisava que fosse hoje, agora. Já não aguentava mais.
William, adormecido, respirava constantemente. Para quem olhava por fora, o garoto estava em paz. Porém, ele sentia novamente a chuva que molhou seu corpo quando deixou a casa dos Wheelers, fria. Sentia a explosão de raiva, adrenalina e medo. Passava por cada sílaba do que foi dito. Sentia tudo novamente. Quebrava o Castelo Byers. Desejava Mike e se odiava por isso.
E, então, ele acordou. Um ruído diferente o tirou da reprise. Agora, lembrou que estava na escuridão de seu quarto, sob o aconchego das cobertas e protegido da chuva lá de fora. Respirou fundo, cogitou se levantar para beber um copo d’água, mas apenas se virou para a parede e fechou os olhos para retornar ao sono.
Toc.
Will se revirou na cama e olhou para seu relógio de cabeceira. Os números digitais indicavam 02h12. Franziu as sobrancelhas, jurando ter ouvido algo, mas nada devia ser, pensou. Não teve tempo sequer de fechar os olhos novamente.
Toc. Toc.
A cortina impedia-o de olhar para fora do quarto, de ver quem ou o que batia contra sua janela. Repassou os olhos por todo o quarto, novamente conferindo se nada estava fora do comum. Nada, exceto aquele som que o despertou.
Então, ele se sentou na cama, coçou os olhos e, lentamente, saiu das cobertas e se levantou. Por alguns segundos, ficou de frente para a cortina, aguardando. Dessa vez, não ouviu apenas uma batida, mas uma sequência ritmada delas.
Toc, toc – toc – toc, toc.
Seria possível? Conhecia isso. Era da sua infância. Eram deles.
Will se aproximou, tocou na cortina e a abriu. Como reflexo, fechou os olhos quando a luz do poste o atingiu, desacostumado.
Quando se adaptou, mesmo com os pingos de chuva que iam contra o vidro, Will reconheceu-o no mesmo segundo. Lá fora, na chuva, os olhos de Mike Wheeler encaravam os seus.
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Truths in the Night - Byler
FanfictionEm uma noite, algumas verdades são ditas. Michael Wheeler X Will Byers