FLASHBACK

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Eu lembro exatamente o dia em que tudo aquilo aconteceu. Era mais uma manhã de segunda-feira e esperava Guilherme no ponto de ônibus para irmos juntos, como fazíamos durante todos os nossos anos de amizade. Mas, estranhei o seu atraso, então fui até o local sozinha, esperando o ônibus certo passar e novamente ele não apareceu. Nem mesmo nos corredores do colégio. 

Considerei as possibilidades de que poderia ter faltado por ser final de ano e já ter terminado suas tarefas, ou ficou doente, apesar de me dizer ontem por mensagem que estava bem. 

De repente, ao chegar na sala de aula, os cochichos se iniciaram, os olhares de pena, sarcasmo e humor eram mistos conforme eu adentrava o ambiente e me direcionava até uma carteira desocupada.

— Ela realmente fez isso?— Perguntou Laís, a líder da panelinha “top” do terceirão, olhando para mim. 

— Com certeza, né? A cara dela estampa isso, de tão cínica.— Afirmou Denise.

— Além de cínica, também é uma piranha e pick me girl. — Acrescentou Artur.

No início, fiquei confusa e negando até para mim mesma que esses comentários não eram sobre minha pessoa. Mas, quando escutei meu nome envolvido em um comentário sobre ser uma rodada dos professores, não podia mais negar e saí discretamente até o banheiro e risadas e xingamentos do lado de fora da sala explodiram quando escutei. 

Quando me tranquei no banheiro, não segurei mais as lágrimas. Como isso aconteceu da noite pro dia? Escuto passos. 

— Helena? — perguntou Nathália — Você está aí?

— Oi, Nath. Eu tô aqui. 

— Ai amiga, você está bem? Você saiu tão atordoada de lá. 

— Eu tô bem — respondi baixo fungando o nariz. 

— Não faço ideia de quem começou essas fofocas sobre ti, mas  quando descobrir, ele vai pagar! 

— Pode deixar, Nath. Deixa pra lá. 

— Posso te dar um abraço? 

— Sim — falei baixo. 

Saio da cabine e abraço Nathália fortemente, enxugando as lágrimas do rosto.

— Venha, vamos tomar uma água, respirar ar puro e não voltar para aquele ambiente tóxico. 

— Mas, e as aulas? 

— Depois o Júnior e a Elisa repassam para nós, não se preocupe. Venha, vamos. 

Acompanhei ela e ficamos desfrutando da companhia uma da outra até dar o horário de saída, onde Elisa e Júnior nos encontraram em um lugar um pouco mais afastado do colégio. 

— Ei! Como você está, pequena gafanhota? — perguntou Elisa.

— Estou melhor agora, com vocês. 

Eles se entreolharam, antes de Elisa prosseguir

— Olha, Lena. Eu sei que você e o Guilherme tem anos de amizade, ao contrário de nós, que nos conhecemos no ensino médio, mas esses dias eu ouvi ele em uma chamada com alguém, dizendo coisas que pareciam sobre você…

Fiquei atônita, porém não acreditava que ele poderia ter esse tipo de atitude, ser esse tipo de pessoa. Logo comigo, sua melhor amiga.

— Não, não! Você deve está se confundindo com outro Guilherme…

— Não, Lena. Era ele. Eu tenho um vídeo. Aqui, irei te provar! 

Em seguida Elisa me mostrou a gravação e vi que era realmente Guilherme, conversando com mais alguém por telefone, com um sorriso maldoso e falando sobre um assunto semelhante ao que estavam comentando na sala hoje mais cedo. 

Meus dedos começaram a gelar, minha cabeça girava e só tinha uma intensa vontade de me entregar ao rio de lágrimas. Eu só consegui assentir com o que acabei de ver. Fui direto para casa, sem pensar duas vezes. 

Devo ter adormecido durante as crises de choro trancada no meu quarto, que estava escuro, porque acordo com uma batida na minha porta e ouço a voz abafada da minha mãe: 

— Helena, o Guilherme está aqui, minha filha. Ele quer conversar com você. Está preocupado por você não atender as ligações dele…

— Fala pra ele que não quero falar neste momento, nem nunca mais. — respondo meio sonolenta. 

— Mas, poderia me dizer por favor qualquer coisa, Helena? — intrometeu o dito cujo, o qual de só escutar sua voz, meu coração se aperta um pouco mais.

— Eu não quero te ver, Guilherme! 

— Eu vou deixar vocês a sós…— disse a minha mãe, abrindo a porta do quarto e fechando ela em seguida, deixando nós dois sozinhos. 

— Saia daqui! Eu não quero nunca mais olhar pra você, falar com você, tá me ouvindo?! — exclamei com o rosto voltado para a parede. 

— Helena, me dê uma explicação pra você estar agindo assim comigo de repente. E assim, eu prometo que vou embora. 

— Como você pode ainda fingir que não fez nada? Que não sabe de absolutamente nada, hein? — levantei abruptamente e fui até ele, ficando na sua altura. — Como você tem a cara de pau de vir na minha casa e querer conversar comigo? Hein, cacete?! — gritei, batendo em seu peito. 

— Do que você está falando?! 

— Só para, tá bom? Me deixe em paz e nunca mais, nunca mais fale comigo!

— Eu não vou! Porra! Só tenta me explicar…

Não deu tempo dele finalizar sua frase, já que a minha mão o atingiu com um tapa na cara, algo que nunca tinha feito antes. E as lágrimas ameaçavam cair novamente. 

— Só saia daqui, agora! 

Ele encostou a mão na maçaneta e antes de sair, pigarreou e disse:

— Seja lá o que esteja acontecendo, eu vou descobrir e isso irá terminar do mesmo jeito que começou. Escreve o que digo, Lena. 

Ele saiu, nunca mais voltou ao meu quarto ou sequer a minha casa. Evitava a todo custo sua presença no colégio, até o ano acabar e tive a certeza que naquele dia, eu perdi meu único melhor amigo para sempre. 

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