Anti-Iluminismo

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Sentada em um banco da praça, ela olhava sem esperança para a tela de seu celular – mais uma conta bloqueada em outra rede social. Mas ela já tinha desistido, afinal, já tinha perdido a voz e sabia que era melhor calar-se também na internet. Ninguém mais ligava para o que ela escrevia. Foi-se o tempo em que podia postar fotos em conjunto com sua namorada com um textinho fofo sem ser massacrada pelos comentários de mal cunho.
Então, afogada em nostalgia, olhou para seus braços manchados. Aquelas marcas a lembravam de seu primeiro arrependimento da vida: ela era criança ainda e os menininhos de sua classe não se aproximavam dela – falavam que seriam contaminados por sua sujeira e ficariam negros e inferiores também –, o que a fez buscar por algum clareamento em sua pele e, como já era de se esperar, encontrou sua resposta em algum site da internet. Jogou alguns produtos que comprou escondido na rua em um potinho e passou em sua pele. Por pouco ela não foi parar no hospital. Tinha se queimado feio com ácidos.
Mas aquilo já era passado e ela tinha que focar no futuro. Segundo sua família, o melhor jeito de apagar seus erros do passado (o que incluía o seu namoro) era arrumar um casamento. Como sabia que o melhor para sua namorada e para ela continuarem vivas (sim, vivas), elas terminaram e agora, ambas decidiram entrar na busca por parceiros que não gostavam para apenas recompor suas imagens.
Então, ao olhar para o lado, deparou-se com um grupo de homens. Um deles parecia bastante estressado, e isso lhe chamou atenção. Ela pôde escuta-lo vociferando para o grupo ...e vocês acreditam que ela teve a audácia de ir para a delegacia me denunciar? Que absurdo! Ela estava com uma saia que dava para ver a calcinha e queria que eu fizesse o quê? Depois ficou toda nervosinha! Mas pediu para ser estuprada, ué... Ao escutar isso, ela parou de prestar atenção no que eles falavam. Bem que seus pais lhe avisaram: era mais seguro usar saias longas ou calças. Ela não queria ser estuprada e, do jeito que andava o Brasil, era melhor se acostumar com o crescente machismo.
Se distraiu e olhou para seu lado, onde estavam livros religiosos. Apesar de não acreditar naquilo, ela era obrigada a lê-los, até porque, se não o fizesse, seria considerada pela sociedade, uma pessoa de má índole. Conhecer outras religiões, então, era mais que proibido. Não quero que vá para o inferno, minha filha, queremos o seu bem..., diziam seus pais, complementando com Isso é só uma fase! Quando passar a adolescência, você verá a grandeza do que está escrito nesses livros! Adolescente gosta de contrariar, mesmo. Assim, pegou um deles na mão e decidiu começar a lê-lo e, de cara, encontrou uma frase que não fazia mais o menor sentido para ela. Naquele trecho, estava escrito:
Ame ao próximo como a ti mesmo

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