01 - Prince Sawatori.

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Os demônios nascem no Inferno. Todos os demônios nascem com um "nome" que se correlaciona com um conceito. Estes podem variar de altamente tangíveis a totalmente abstratos. O conceito não deve referir-se a algo que existe; não há indicação de que fantasmas, zumbis ou anjos existam no mundo, mas todos esses nomes têm demônios correspondentes. Cada nome é único para seu respectivo Demônio. Os demônios se manifestam de acordo com a consciência coletiva em torno de seus nomes. Eles são a personificação do medo que o "nome" representa, portanto, enquanto esse "nome" instilar medo, eles encarnam. Os demônios que morrem no Inferno reaparecem no mundo humano; Os demônios que morrem no mundo humano reaparecem no Inferno; tornando-os efetivamente imortais. Os demônios não conseguem se lembrar de nenhuma memória de suas vidas anteriores.

Prince Sawatori, uma jovem na flor da idade. Vivia na pobreza do mundo, nos rales da cidade, podemos deduzir como becos sujos e emporcalhados. Sua casa não era uma estrutura confiável, haviam paredes que ameaçavam cair e recebiam visitas constantes de ratos. Seus pais eram dependentes químicos, sua mãe nem tanto. Durante todos esses anos seu pai se embriagava e chegava em casa bêbado e costumava descontar sua fúria em sua mulher, que quase todo dia estava topada de remédios para dor. Prince não podia fazer nada para impedir que seu pai agredisse sua mãe, até porque, da última vez que ousou se meter em uma discussão como essa, tinha por volta do seus sete ou oito anos, e seu pai a afastou com uma garrafa de vidro, e até hoje ela possui essa cicatriz.
Seu pai tinha um irmão que possuía envolvimento com drogas e comércio ilegal, em outras palavras, ele praticava tráfico humano e todos da família tinham conhecimento disso, mas não ousavam espalhar essa informação, afinal, todos ali eram beneficiados pelo dinheiro, por mais que seus pais fossem íntegros nisso, todo o dinheiro era desperdiçado em produtos químicos, remédios e bebidas.

Ao completar seus dezesseis anos, Prince decide sair de casa para viver sozinha, com suas economias restantes que reservou por anos fazendo bicos para agentes da Yakuza. Desde cedo teve envolvimento com a execução de demônios, então era comum que estivesse familiarizada com isso. Hoje em dia, vive em sua casa e obedece os agentes em troca de dinheiro, é claro que ela não possuí registros em sua carteira.
- Você parece ter acordado com muita disposição hoje, Sawatori. - Um homem bem trajado veio a porta de sua casa, sua fala obviamente foi irônica, Sawatori havia acabado de acordar, eram três da tarde quando decidiu sair da cama. Esse homem se chamava Hatori, embora fosse um nome feminino, ele defendia isso usando sua mãe de argumento, algo como "ela não tinha bom gosto para nomes".
- Tem trabalho? - Prince estava encostada na porta, coçando sua canela com o dedão de seu pé. Vestia roupas largas que desligavam pelo seus ombros e seu cabelo não estava nada apresentável, podemos dizer que ela estava inadequada para receber alguém em casa.
- Tem sim, na verdade é um trabalho que ninguém quer pegar, só sobrou você mesmo. Já que você não tem como negar, boa sorte. - Hatori mostrou a ela um mapa, indicando a localização do demônio. - Aparentemente é um demônio perigoso, mas não sabemos muito dele.
- Vocês todos são um pé no saco. - Após o recolhimento das informações, bateu a porta na cara do servo da Yakuza. Trocou suas roupas e trajou equipamentos comuns, como katanas e armas de fogo, que basicamente era o que costumava usar para combater as anomalias. Saiu de casa aproximadamente 15:40, no pico do sol.
- Eu odeio dias de sol, são sempre tão quentes... - Ergueu o rosto para o céu, imenso e azul, limpo e sem nuvens, sem sinal de chuva. Seus sapatos sujos e furados a levavam para o meio de uma mata fechada, a localização do suposto demônio. O silêncio era perturbador, para alguns podia indicar paz, um presságio bom de que nada aconteceria nos segundos seguintes, mas Prince sabia muito bem que estava em uma situação contraditória: o demônio poderia vir a qualquer instante, e veio! Um ogro com anormalidades físicas, uma estrutura enorme e exagerada, seus membros eram desproporcionais, um braço maior que o outro, mais magro ou longo, era algo terrível de ver. Não podia decifrar o que ele era, olhando assim.
- Então você é o trombadinha que tá causando tumulto? Alguém já te disse que você é feio pra caralho?
Sawatori não gostava de prolongar seus serviços, agindo com uma investida reta, empunhando a katana de maneira firme, assim, quando atravessou o flanco do demônio, o braço deste seria cortado. Uma porção de líquido púrpura veio a jorrar sobre seu uniforme, mas nem isso impediu seu ataque: o golpe seguinte a fez girar o próprio corpo para que pudesse introduzir a lâmina no corpo do brutamonte, mas isso não foi possível.
- Oxi...?
Era como se não pudesse ouvir mais nada além de um zumbido terrível que tomou seus ouvidos como um som infernal, sua visão se tornou turva, como se sua cabeça estivesse sendo chacoalhada, quando na verdade estava imóvel. Aos poucos foi se ofuscando e mais nada podia ser visualmente identificado, era quase como se o tempo tivesse parado naquele segundo.
( Eu tenho certeza que acertei ele! O que aconte- ) Seus pensamentos se atrapalharam após seus próprios lábios cuspirem uma densa quantidade de sangue, estava vomitando seu almoço junto com todo o sangue que precisava sair, quase como se estivesse engasgada com tudo isso. ( o que aconteceu? Eu não consigo me mexer ... ) Sentiu seu corpo cair sobre a poça de sangue, seu rosto colidiu com o gramado e agora já não podia reconhecer mais nada.
O sangue do demônio tinha propriedades malignas, ele podia endurecer e tomar o formato que a anomalia quisesse, e como ele estava no corpo dela, bastou um tick para que esse sangue a perfurasse de fora para dentro, dividindo seu corpo em duas partes e expelindo seus órgãos para fora, suas pernas e braços, mas ainda se sentia viva.
( Eu morri? Não sinto dores... eu não sinto nada. )

A floresta pareceu excepcionalmente silenciosa agora, até mesmo o canto dos pássaros era algo bom aos ouvidos, formando uma sonoridade adorável, quase como uma orquestra. Seu corpo formigava e estava cada vez mais frio, mas não era um incômodo do qual quisesse se livrar, tão reconfortante quanto o abraço de uma mãe ou um sentimento de amor mútuo do qual jamais poderia esquecer. O gramado era gentil e a fazia sentir como se estivesse aconchegada no colo de um doce rapaz ou uma amável mulher, como se descansasse após um dia inteiro de trabalho exaustivo. ( Ué? ) Sentiu seu rosto se molhar por pingos frios, o céu estava aberto, mas chovia tão forte quanto uma tempestade, logo seu corpo estaria submerso em uma lagoa rasa e fria e seu sangue seria mesclado com ela, o odor seria exalado e chegaria às narinas de predadores peçonhentos. Se não morresse agora, passaria pela agonia de ser devorada por ursos ou felinos esfomeados.

Seus ouvidos foram perturbados por um som ensurdecedor, um tiro árduo que espantou os pássaros e os corvos, previamente atraídos pelo seu odor. Sentiu uma pressão no solo que aos poucos se aproximava e sua visão logo foi obstruída por um grande corpo deformado, não era o mesmo demônio de antes, mas sim um diferente. Ele a chutou e sua carcaça rodopiou e desceu por uma barragem de terra, arrastando suas barrigadas expostas. Era uma visão desconfortável de se ver. Não levou mais que dez minutos para que sua mente se desligasse e assim, não houvesse mais resquícios de vida. Mais tarde seu corpo foi encontrado por civis locais e fotos foram tiradas e divulgadas, alertando a segurança local e logo chegando na boca da Yakuza. Hatori já esperava que Prince tivesse esse fim, mas não achou que seria de forma tão brutal.
- Então a garota morreu? - Era noite e haviam alguns agentes naquela sala, a voz vinha de um homem gordo com soberania entre eles, seus servos.
- Sim, pelo demônio desconhecido. As fotos foram divulgadas na internet e conseguimos recolher. - Hatori retirou de uma pasta as fotos dos restos do corpo. A parte de baixo estava em um lugar e a parte de cima em outro. - Aparentemente ela foi partida ao meio e perdeu seus membros, mas seu tronco junto da cabeça estavam em declínio na barragem do lago, ao que parece, ou ela se arrastou ou foi jogada lá.
- É uma pena. - O velho visualizou a fotografia com desdém, como se não quisesse mais ver. Não era como se eles tivessem apego à garota, para eles, foi mais uma que se foi. O único visivelmente abalado era Hatori, ele era responsável por contatar a garota e repassar as missões e pagamentos.
- O que devemos fazer agora?
- Nada, ué. Ela já está morta, não é mais responsabilidade nossa. Agora, vocês tomam uma bebida?
O assunto mudou de rota e Hatori se retirou da sala, já era tarde da noite e estava frio por causa da chuva de mais cedo. Ele caminhou pelas ruas até a casa que Prince costumava habitar, ele sabia que a garota tinha dois gatos dos quais cuidava desde pequenos e seria rude da sua parte deixá-los sem dar justificativas sobre o paradeiro da dona. Ele sentiu sua morte, mas não é como se eles tivessem alguma ligação afetiva, talvez ele só sentiria falta de vê-la três ou quatro vezes por semana, seria uma mudança em sua rotina também.
── Prince, Prince ... Achei que você fosse mais forte. ── Hatori conversava sozinho, no quarteirão da casa da garota, virando a esquina. Entrou na residência através da janela e pisou os calçados sujos sobre o sofá e depois sobre o chão, os dois gatos dormiam juntos e quietos, esperavam por Prince, aparentemente.
- A Sawatori realmente gostava de vocês, acho que vou vir visitá-los vez ou outra. - Hatori tomou o controle da televisão e ligou, os canais de notícia falavam sobre o corpo encontrado e sobre a crueldade qual fora exposto, as fotos não foram divulgadas nos jornais por motivos óbvios, nem todo mundo gosta de ver esse tipo de conteúdo.
- A dona de vocês não está mais aqui, mas vocês tem a mim. Quem sabe eu leve vocês pra casa, pra não ficarem sozinhos. - Hatori passava as mãos nos dois gatos, como forma de carinho. Eles não entendiam a ausência de Sawatori, aparentemente, seria algo que eles entenderiam alguns dias depois.
Hatori se levantou e foi até a cozinha, era um pouco incômodo ver a casa do jeito que Prince deixou, apesar de estar arrumada, era como se ela acreditasse que poderia voltar, era muito triste e não resistiu, deixou as lágrimas rolarem enquanto soluçava baixo, buscou algo para comer e retornou ao sofá, e por lá adormeceu.

A Segurança Pública tomou conhecimento da situação e gravidade do caso, apesar de já terem visto situações piores. No dia posterior do caso, foram enviados agentes para inspecionar a área em busca do demônio.

Teoria do Caos - 𝗖𝗵𝗮𝗶𝗻𝘀𝗮𝘄𝗺𝗮𝗻.Onde histórias criam vida. Descubra agora