Introdução

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Antes de iniciarmos nossa história propriamente dita, creio que alguns avisos devam se tornar manifestos. Sem sombra de dúvida a simples sugestão de uma história como a nossa carrega problemas. E nos convém falarmos deles também neste primeiro momento.

Esta é apenas uma história dentre as incontáveis possíveis dentro de um projeto muito maior que se chama "Cidade de Cinco Harmonias". Originalmente, um cenário de RPG de fantasia moderna leste-asiática. E mesmo estes termos também carregam problemas. Sim, existem vários produtos e mídias e estilos bastante diferentes entre si quando falamos apenas de "fantasia", e a própria ideia de uma "fantasia asiática" é, sendo bastante tolerante, no mínimo míope. Culturas leste asiáticas, como as que servem de inspiração para nós aqui, são bem diferentes entre si. Carregam histórias, propriedades, temas, morais e instrumentos completamente variados, e de maneira alguma pretendemos colocá-las no mesmo saco e dizermos que são a mesma coisa, ou que são ramos diferentes de uma mesma raiz. Longe disso.

Mas buscamos, acima de tudo, homenageá-las, celebrá-las e exaltar toda essa herança da qual este humilde autor também faz parte. Sugerir uma "Ásia que nunca foi, mas que poderia ter sido", portanto, passa a ser tão ofensivo às culturas leste-asiáticas quanto a Terra Média é ofensiva à Europa. Nós enveredamos por um viés anti-colonialista, não por desprezo às culturas que se intitularam primeiramente como ocidentais, mas por pretendermos celebrar aquelas que estes mesmos desprezaram durante tanto tempo. Não temos a intenção de considerarmos nossa atitude autoral como algo revolucionário, mas em tempos em que culturas minoritárias têm sido cada vez mais minoritárias, é difícil para nós mesmos não considerarmos essa postura autoral como no mínimo subversiva ao panorama que se instala ao até mesmo sugerirmos um tema de "fantasia" e termos como resposta do inconsciente coletivo os paradigmas sugeridos pela fantasia medieval clássica e europeia. Nós não a desprezamos ou a menosprezamos. Mas simplesmente não é disso que pretendemos falar.

"Cidade de Cinco Harmonias" fala de um cenário moderno e fantástico ao mesmo tempo. E ao mesmo tempo que se inspira em diversas culturas leste asiáticas diferentes, ele constrói um panorama final que não é nenhuma delas. Não estamos falando de nenhuma dinastia chinesa específica, ou de alguma era da História japonesa, por mais que notoriamente as usemos como inspiração. As Cinco Nações, ou os Cinco Reinos Nobres não são uma Ásia que foi ou que é, mas que poderia ter sido.

O próprio gênero de fantasia é bastante dominado por vertentes que, de um jeito ou de outro, acabam vindo de um mesmo radical tolkieniano, ou pelo menos, europeu. Nós olhamos para outros horizontes que não os do Velho Mundo. E, talvez ironicamente, tentamos resgatar naturezas narrativas de um mundo ainda mais antigo.

No mundo em que nossa mencionada cidade se instala como a maior metrópole conhecida, algumas pessoas manifestam poderes na forma dos cinco elementos taoístas (água, madeira, terra, fogo e metal). Essas mesmas pessoas, coletivamente referidas como "místicos", eram nobres em gerações ou até mesmo séculos passados, mas, num mundo cada vez mais moderno, tecnológico e revolucionário, esse é um dos costumes que as gerações atuais não veem mais necessidade. E como tudo aquilo que não é mais necessário hoje em dia, foi parar no lixo.

Séculos atrás, esses mesmos nobres governaram as Cinco Nações que conhecemos. Eles moldaram suas tradições, história, cultura e decidiram seus sucessos e fracassos. Mas, no momento, não é isso que nos interessa. Por literais milênios as Cinco Nações conviveram com relativa independência, mas a fundação de Cinco Harmonias mudou isso. Como uma cidade que visava reunir pessoas de todos esses povos de braços abertos, ela prosperou e se tornou um verdadeiro segundo sol nas terras das Ilhas do Sul, território da Dinastia das Chamas.

Sim, as pessoas ainda se reúnem para assistirem filmes sobre os heróis do passado. Todo cidadão de bem dos Reinos da Terra louvam o Imperador de Jade regularmente. Mas isso não os impede de viajarem longas distâncias em pouquíssimo tempo em aeronaves que parecem terem encurtado o mundo. Nem de acompanharem os últimos acontecimentos através das ondas do rádio, televisão ou internet. Não existe um conflito entre o novo e o antigo. Não mais. O novo veio para ficar. E talvez ele mesmo tema ser substituído por algo ainda mais novo.

E é neste cenário em que herdeiros de deuses ancestrais precisam se virar para fazerem as contas renderem até o fim do mês.

O Dragão DomadoOnde histórias criam vida. Descubra agora