"Relaxa, gatão. Eu sei que você consegue." A voz da mulher na pequena tela carregava sincero carinho e tranquilidade. O homem que recebia a mensagem, porém, não parecia retribuir muito à altura. Não por maldade de sua parte. Ele estava dirigindo, afinal, e só aceitara a chamada porque pensou que a mensagem de sua namorada merecesse esse mínimo de consideração. No fundo ele estava grato por essa demonstração de afeto.
"Muito obrigado, amor. Mas estou sinceramente surpreso de ainda ter sinal aqui." Os olhos do homem não se desviaram da estrada estreita por mais do que frações de segundo. E ele tinha muita razão para a surpresa. Ele já estava há algumas horas na estrada, e tudo o que viu desde que deixou a cidade foram paisagens verdejantes de fazendas e natureza. Algumas casas distantes ou rebanhos pontilhavam as paisagens de vez em quando, mas nada mais que isso. Para os instintos de Koichi, era estranho deixar o caos urbano e mergulhar seus sentidos nessa quantidade esmagadora de... Quase nada. Ele respirou fundo. E pensou em todos os acontecimentos passados que o levaram àquele momento em específico. Falhar nessa tarefa era impensável. Impossível até. Nem de longe seria a coisa mais complicada que o alto comando da Imagawa já o mandara fazer. E claro, sua sonhada promoção dependia disso. Então, até onde ele podia enxergar, tudo estava a seu favor. Tudo o que ele tinha que fazer era pegar uma assinatura, resolver o acordo e voltar no máximo na manhã seguinte. Absolutamente possível. Até mesmo fácil. "Os Imagawa disseram mais alguma coisa?"
A face da mulher acenou um não curto, um ombro pouco retraído. "Mas isso é um bom sinal. Eles devem confiar em você. Sinto-me muito orgulhosa de você, por ter sido escolhido a dedo pra esse trabalho. Vamos comemorar quando você voltar."
Koichi se permitiu um breve porém honesto sorriso. "Vamos no Chefe Koyama quando eu voltar, então?"
Hana cobriu os lábios com as pontas dos dedos, admirada. "Olha só! Já está falando como um alto executivo. Aceito sim." Algo pareceu ter chamado sua atenção fora da tela e da visão de Koichi. "Tenho que ir agora, Koichi."
"Te vejo em breve, Hana." Ela provavelmente nem ouviu essas palavras, mas Koichi as disse mesmo assim. Ser chamado simplesmente pelo seu primeiro nome talvez fosse o modo de demonstrar carinho afetivo entre as pessoas de Cinco Harmonias. Sim, eles ainda eram membros da Dinastia das Chamas, assim como Koichi, mas desde que chegou lá, há quase uma década, a cidade parecia uma sucessão interminável de protocolos, pequenos rituais de gentileza onde as pessoas eram mais obrigadas a parecerem agradáveis e gentis do que se preocuparem se isso soava ou não honesto. Todos se tratavam pelo sobrenome sempre que possível. Chamar alguém pelo primeiro nome era uma manifestação quase escandalosa de intimidade. O que a essa altura do relacionamento com Hana era algo bastante cabível.
De toda forma, não havia mais do que mais hora de reflexão sobre os processos sociais dos habitantes de Cinco Harmonias. Seu carro já estava adentrando Himura, o que queria dizer que não demoraria mais do que alguns minutos para chegar ao seu destino. A voz de seu konpu deu mais algumas gentis orientações sobre onde virar. Koichi as considerou praticamente desnecessárias, mas fez questão de segui-las mesmo assim. Sim, ele conhecia aquelas ruas e esquinas. Mas uma década fora do lugar podiam ter alterado vias e sentidos. Não foi muito esse o caso. Algumas coisas estavam diferentes. Algumas casas e prédios pareciam mais velhos, o que era natural. Outros, pareciam ter mudado de propósito. Aquele mercado se tornou uma escola. O casarão sombrio que todos na sua infância juravam ser mal assombrado se tornou uma farmácia. Tudo isso parecia entreter um pouco o espírito de Koichi, mas o que ele queria mesmo apareceu finalmente em sua visão. O edifício não parecia ter mais do que três andares, o que para os padrões de Himura era até que muita coisa, e o fato de se instalar no alto de uma montanha o destacava ainda mais das humildes construções no verdadeiro centro da cidade. Ali ficava o contraditoriamente humilde e famoso dojô Sanada. Era estranho como ter passado uma literal significativa fração de sua vida ali soava após tanto tempo fora. Era como se conhecesse o lugar, mas ele mesmo era estranho à tudo aquilo. Koichi esperava que as pessoas ali fossem outras. E sim, outros jovens alunos e discípulos da Linhagem Suzaku do Estilo Espadachim Celeste seguiam a estrada íngreme ao prédio a pé. Alguns com pesos inclusive. Tal qual ele mesmo também fez tantos anos atrás. Costumes familiares, mas com rostos estranhos. Novamente, dentro do esperado.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Dragão Domado
AventuraNuma versão fantástica, urbana e moderna de uma Ásia que nunca existiu, mas poderia ter sido, acompanhamos a jornada de Koichi Takamura, um jovem que abandonou sua pacata e bucólica cidade para tentar a sorte na metrópole de Cinco Harmonias. Mandado...