Prólogo

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TUDO estava em desfoque, menos aquela poltrona no canto da sala.

Empurrei a porta com força e ela se fechou com um som alto. Minhas botas pesadas deixavam pegadas vermelho vivo, manchando o chão de madeira e o tapete felpudo, mas eu tampouco me importava. Minha visão ficou embaçada por um líquido carmim que escorria em veios por meu rosto. Apenas fechei o olho afetado, meu objetivo não mudara.

Quando finalmente cheguei a poltrona de um couro tão negro como a noite sombria lá fora, me joguei; esparramei meu corpo dolorido por toda extensão de couro macio fechando os olhos.

A escuridão se esparramava como leite derramado pelas janelas grandes — pois não me dei o trabalho de acender luz alguma — rodopiando pelo ambiente, tomando posse de cada centímetro quadrado. O silêncio era bom; bom para a cabeça depois das horas que passei matando aqueles que cacei por anos.

Eu devia me sentir melhor, então por que aquele vazio no peito não sumiu? Eu deveria me sentir melhor, porra! Eu a vinguei. Matei todos os filhos da puta responsáveis pela morte dela.

Mas isso não a trouxe de volta. Uma voz sussurrou em minha cabeça.

Você já sabia disso. Eu sei, eu sei, eu sei...

Os nós das minhas mãos doíam de tanto apertar. Minhas unhas estavam fincadas no material velho e borrachudo da insígnia em minha mão enquanto as memórias me invadiam, pareciam tão distantes agora.

——

Aquele Beco fedia a merda, mijo e bebida. Eu andava sob minhas botas pesadas e casaco comprido com a gola alta, cobrindo parte do meu rosto.

O homem que sigo é Louis Deluas, chefe do tráfico em Nova York, — Um dos muitos sistemas de tráfico de drogas.

Ele anda despreocupado por esse chão molhado, como se fosse dono do mundo e não temesse nada, nem as sombras ou o que pode ter nela.

Minha mão formiga para pegar minha arma no coldre no cinto e fazer um belo buraco no meio das costas dele, mas me contenho. Ao invés disso levo a mão ao bolso e aperto o material borrachudo do emblema; o mesmo que ele tem costurado no braço da jaqueta. Para me lembrar da dor, da perda, do motivo pelo qual estou fazendo isso. Paciência — Digo a mim mesma — Só mais um pouco.

O vi entrar pela porta do prédio no fim do beco fétido. Esperei um pouco depois que ele entrou e o segui. O corredor é mais escuro que a ruela do qual sai. Ando acompanhada do som abafado de minhas botas molhadas até o fim do corredor; que é recheado de luz. Antes de virar e entrar na sala pego minha arma e a coloco em posição de mira escutando, o som de vozes, masculinas e femininas, risos, palavrões, copos tintilando.

Fico parada perto da borda da parede com um bolo na garganta; coração batendo rápido. Fecho meus olhos respirando fundo, tentando desfazer o incômodo na garganta. Eu podia sentir a ansiedade tomar conta do meu corpo pouco a pouco. Está finalmente acabando. — Digo a mim mesma. — Só mais um passo, alguns tiros e pronto. Encosto o cano da arma em minha testa e respiro fundo.

Assim que coloco minha cabeça para dentro, vejo cinco homens sentados numa mesa redonda de jogo, entulhada de cartas, fichas de pôquer e outras merdas que não dei atenção. Eles demoraram para me ver ali, alertados pelo grito agudo saído direto da garganta de uma das mulheres presentes ali. A fumaça no cômodo é espessa, rodopiando da ponta dos muitos charutos e indo para o teto, sem ter por onde sair. Ver seus rostos assustados me olhando, prevendo sua morte iminente me deu uma certa satisfação.

𝑭𝒐𝒓𝒃𝒊𝒅𝒅𝒆𝒏 𝑨𝒕𝒕𝒓𝒂𝒄𝒕𝒊𝒐𝒏 | 𝑮𝒉𝒐𝒔𝒕 [Reescrevendo]Onde histórias criam vida. Descubra agora