Prólogo

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DAIANA HEZERA

O ar estava carregado, pesado, impregnado com o cheiro metálico do sangue que se espalhava pelo tapete outrora imaculado. A sala, antes um refúgio de paz e risadas, agora era uma câmara de horrores, onde o eco dos meus próprios soluços se misturava ao silêncio ensurdecedor que se seguiu ao estrondo do disparo. O corpo dela, inerte, parecia me acusar com sua quietude, com cada gota de vida que se esvaía e manchava a trama do tapete, como se cada fibra absorvesse também a minha sanidade.

— Vai ficar tudo bem,  Daiana. 

A voz dele, carregada de preocupação e medo, mal conseguia penetrar a névoa de pânico que me envolvia. Eu estava ali, mas ao mesmo tempo distante, observando a cena como se flutuasse acima do meu próprio corpo, incapaz de reconhecer a mulher que tremia e chorava, com as mãos manchadas de vermelho.

— Mas eu não queria fazê-lo, eu sou inocente, eu não matei ele. Nao matei

A confusão era uma tempestade que devastava qualquer tentativa de raciocínio lógico. Como pude permitir que a situação escalasse a tal ponto? Como pude perder o controle assim?

Ele... Quem era ele? Um amigo, um conhecido, uma intruso? E ele, o homem que agora me olhava com olhos arregalados, tentando compreender o incompreensível, onde ele se encaixava nessa tragédia? As perguntas giravam em minha mente, mas as respostas se esquivavam, escorregadias como peixes em um rio de lama.

Onde eu estava com a cabeça quando peguei a arma e atirei nela? Como pude fazer isso? O gosto amargo do arrependimento invadia minha boca, mas era tarde demais para desejos de voltar no tempo. O ato estava consumado, e agora eu estava presa nesse momento, nesse lugar, com o corpo dela estendido diante de mim.

Minhas mãos suavam, e cada batida do meu coração parecia um martelo tentando quebrar a caixa torácica. Estaria eu louca? Seria este um pesadelo do qual eu acordaria, suada e aliviada, na segurança do meu quarto? Mas não, a realidade era crua e implacável. Não havia despertar, não havia fuga. A dor, o medo, a angústia... tudo era visceralmente real.

A cada segundo que passava, a cena se gravava mais profundamente em minha mente. O som do disparo reverberava em meus ouários, uma sinfonia macabra que eu sabia que jamais esqueceria. O cheiro do sangue, a visão do corpo, a sensação do gatilho sob meu dedo – cada detalhe era uma facada em minha consciência.

Eu queria gritar, queria correr, queria desfazer o que havia feito, mas estava paralisada. A culpa me prendia ali, uma corrente invisível que me ligava ao cadáver no chão. Eu tinha tirado uma vida, e com esse ato, parte da minha própria vida também se esvaía. Aleksei,  por que? Porquê?

Ele se aproximou, cauteloso, como se eu fosse um animal selvagem e imprevisível. E talvez eu fosse. Talvez o monstro que habita nas sombras de cada ser humano tivesse encontrado uma brecha em minha alma e se libertado naquele momento de insanidade.

Eu estava além do alcance da razão, navegando em um mar tempestuoso de desespero.

A polícia chegaria em breve, e com eles, o julgamento dos vivos. Eu seria analisada, questionada, e condenada – não apenas por eles, mas por mim mesma. A cada olhar que cruzasse o meu, eu veria o reflexo do que fiz, e a cada sussurro, ouviria o grito silencioso dele, suplicando para que nada acontecesse comigo. 

Ele morreu para me salvar, para me deixar viver.

Nesse momento, naquele cenário de crime, eu era tanto a culpada quanto a punida. A angústia me consumia, uma chama voraz que não deixava nada além de cinzas. E enquanto eu me perdia na escuridão da minha própria alma, a única certeza que me restava era a dor – uma companheira constante que, a partir de agora, definiria a minha existência.

Olhei para ele, meus olhos embalsamado pelas  lágrimas, vasculhei com o olhar em volta, na intenção de encontrar meu Aleksei   mais ele não estava lá. Ele se foi para sempre.

Ele me deixou sozinha,  ele me abandonou,  ele se foi embora sem mim.

Meu marido, Aleksei, não estava presente para me amparar, para me confortar. Sua ausência era como uma faca cortando minha alma, deixando um vazio imenso em meu peito. Ele prometeu estar sempre ao meu lado, mas agora, quando eu mais precisava dele, ele não estava ali.

A confusão reinava em minha mente, as lembranças fragmentadas se misturavam em um emaranhado de sensações confusas. Eu não sabia o que era real e o que era fruto de minha imaginação delirante. O advogado falava, suas palavras pareciam distantes, como se viessem de outro mundo.

Aleksei, onde você está? Por que me abandonou neste momento de desespero, de confusão? Eu precisava de você mais do que nunca, para me ajudar a enfrentar a realidade distorcida em que eu me encontrava, para me ajudar a separar a verdade da ilusão em minha mente perturbada.

— Você matou, ele, foi culpa sua.  — Aquela voz, eu reconheço. 

— Alexandre Fortinella.





CRUEL   |Dark Romance|.  Volume IIOnde histórias criam vida. Descubra agora