CONHECENDO A LEI

0 0 0
                                    

Quando já estávamos no salão do Guardião, eu pedi para que revelasse o meu passado. Das coisas que me falou, vou dizer-lhe apenas que eu já havia sido um grande iniciado e que caí por causa do meu irmão. Também disse que o Cavaleiro havia sido meu pai há sete mil anos atrás e que minha esposa, a madre já havia sido uma filha dele, assim como a minha princesa.
_ Então é por isso que ele nos conduziu para o serviço da Lei. Queria nos elevar sem que percebêssemos nada.
_ Sim. Ele tem passado os últimos milênios ajudando aos seus. Saiba que você foi bisneto dele na última encarnação, senhor da Meia-Noite. A fortuna que herdou provinha do que ele deixou aos filhos e eles aos netos e quando você veio à carne tudo estava preparado para que fosse um grande homem. Mas você enveredou por um caminho estranho e colocou tudo a perder.
_ Qual seria o caminho?
_ Seu sogro iria indicá-lo para um cargo importante na corte de rei. Lá você poderia usar toda a sua inteligência para coisas boas em relação à colônia. O porque, você já sabe. Só uma coisa boa resultou de todo o esforço do Cavaleiro.
_ O que foi?
_ Sua antiga esposa usou toda a sua fortuna em benefício daqueles que eram amparados pela ordem que ela abraçou. A fortuna foi diluída entre muitos que nada tinham, além da própria vida.
_ Melhor assim.
_ Além do mais, imbecil, ela era virgem!
Sua voz trazia um rancor profundo. Eu engoli o "imbecil" como um elogio pois fui muito mais que isso.
Ele bateu o pé e o recinto encheu-se de belas mulheres.
_ Olhe idiota. Todas elas são minhas e ainda assim não toco em nenhuma. Mas mesmo que eu escolhesse uma, após minha escolha eu a aceitaria como ela é e não como eu gostaria que fosse.
Novamente engoli a ofensa como uma boa reprimenda.

Eu mereci ouvir aquilo de um ente das Trevas superior a mim.
Ele tornou a bater o pé e as mulheres se foram. "Como era poderoso o Guardião dos Sete Portais das Trevas", que leu o meu pensamento.
_ Não pense que consegui o meu poder sendo um tolo. Sempre dormi com um olho aberto.
Nunca deixei uma ofensa sem resposta, nem um inimigo mais fraco sem conhecer o meu poder. Nunca deixei de respeitar um igual ou de temer a um mais forte. Foi assim que consegui tanto poder. Também nunca saí da lei do carma. Não derrubo quem não merece, nem elevo quem não fizer por merecer. Não traio a ninguém mas também não deixo de castigar um traidor. Leve o tempo que for necessário, eu o castigo. Não castigo um inocente mas não perdôo um culpado. Não dou a um devedor mas não tiro de um credor. Não salvo a quem quer se perder mas não ponho a perder quem quer se salvar. Não ajudo a morrer quem quer viver mas não deixo vivo quem quer se matar. Não tomo de quem achar mas não devolvo a quem perder.
Não pego o poder do senhor da Luz mas não recuso o poder do senhor das Trevas.
Não induzo alguém a abandonar o caminho da Lei mas não culpo quem dele se afastou.
Não ajudo alguém que não queira ser ajudado mas não nego ajuda a quem merecer.
Sirvo à Luz mas também sirvo às Trevas.
No meu reino eu mando e sei me comportar.
Não peço o impossível mas dou apenas o possível.
Nem tudo que me pedem eu dou mas nem tudo que dou é porque me pediram.
Só respeito à Lei do Grande da Luz e das Trevas e nada mais.
É por isso que o Grande exige de mim, portanto é isto que eu exijo dos que habitam o meu reino.
Não faço chorar o inocente mas não deixo sorrir o culpado. Não liberto o condenado mas não aprisiono o inocente. Não revelo o oculto mas não oculto ao que pode ser revelado.
Não infrinjo à Lei e pela Lei não sou incomodado.
Agora sabe de onde vem meu poder, senhor da Meia-Noite. Eu sou um dos sete guardiões da Lei nas Trevas; os outros seis, procure e a Lei lhe mostrará.
_ Por que o senhor não socorreu o Cavaleiro em sua queda?

_ Foi a Lei Maior que o determinou, por isto eu me calei. Mas quando Ela saiu em seu auxílio, eu arrasei o reino de Lúcifer para saber onde estava o Cavaleiro e acabei descobrindo pois foi a Lei que me ordenou que assim o fizesse. Ele teve que calar-se e entregar-me o culpado.
_ Obrigado, Guardião dos Sete Portais das Trevas deu-me uma lição sábia. Sou seu devedor.
_ Nada me deve, senhor da Meia-Noite. Gosto de ensinar a quem quer aprender mas também gosto de castigar a quem aprende e faz mau uso do saber. Ele bateu o pé esquerdo e o recinto se encheu de entidades que haviam sido religiosos quando na carne.
_ Eis aí um exemplo do mau uso do saber. Eles aprenderam tudo o que precisavam para suas missões na terra mas não seguiram o que pregaram. Usaram do que sabiam em benefício próprio ou para arruinar aos que acreditaram neles.
Olhe bem, Guardião da Meia-Noite e verá que os que se diziam sábios, iluminados, profetas, grandes lideres religiosos ou grandes sacerdotes não passavam de otários, idiotas, tolos, imbecis, cegos e mal intencionados.
Verá entre eles todo tipo de defeito e nenhuma qualidade. Eram lobos uns pois se aproveitavam e comiam suas ovelhas e hienas outro pois se contentavam em consumir os restos deixados pelos lobos. Uns e outros hoje choram pelo erro cometido pela oportunidade perdida e pela luz não conquistada. Viveram do mundo e não pelo mundo. A Lei não os perdoou e os entregou a mim. Eu dou-lhes o que merecem porque sou um guardião da Lei das Trevas e esta é minha função. A Lei não iria colocar um ser bom e iluminado para castigar os canalhas nem colocaria um carrasco como eu para premiar aqueles que venceram suas provas. Não!
Os guardiões da Lei na Luz tem uma função como a minha mas afeta à Luz: não deixam cair quem se fez por merecer à ascensão.
Eu não deixo subir aos que se fizeram por merecer a queda. Eu sou a mão que castiga, a outra é a que acaricia.
Eu sou a mão que derruba, a outra a que levanta.
Tudo isto eu sou e ainda assim não sou infeliz, triste, arrependido ou ruim. Não sofro de remorso por castigar aquele que a Lei derrubou, assim como um guardião da Lei na Luz nada sente ao premiar a quem merecer.
Eu sou o que sou, um guardião da Lei nas Trevas e me orgulho disto porque sei que sou necessário à Lei.
E tudo isto você também é, ou será se assumir todo o seu passado, resgata-lo e se sentir feliz em servir à Lei. Ela o recompensará quando assim quiser, não porque você peça qualquer recompensa pelo seu trabalho mas porque serve-a sem se lamentar por estar nas Trevas pois Luz e Trevas são os dois lados do Criador.

Há os que trabalham durante o dia e dormem à noite mas também há os que trabalham de noite e dormem durante o dia.
Há os animais que só saem de sua morada sob o sol e aqueles que só o fazem sob o luar. Há o verão mas há também o inverno. O que um aquece o outro esfria e vice-versa.
Há a primavera mas há também o outono: O que um faz brotar o outro faz se recolher e vice- versa.
Há o fogo para queimar e a água para saciar a sede. Há a terra para germinar e há o ar para oxigenar.
Há tantas coisas e no fim são somente partes do Um.
Por isto lhe digo, Guardião da Meia-Noite há os anjos e há os demônios. Os anjos habitam na Luz e os demônios nas Trevas. Uns não condenam aos outros pois sabem que são o que são porque assim quis o Criador.
Aqueles que vivem no meio é que criam tanta confusão com suas descidas na carne.
Do nosso lado não há nada disto. Cada um sabe a que lado pertence. E os que não sabem, são os primeiros de quem nos apossamos.
Esta é a Lei que nos rege e a todo o resto da Criação.
Mais não vou falar pois precisaria de muito tempo para tal coisa. Espero que possa sair daqui melhor servidor da Lei do que quando chegou.
_ Eu agradeço suas palavras, Guardião dos Portais. Pena que eu seja muito pequeno para ajuda-lo, senão eu diria: se precisar de minha ajuda é só pedir!
_ Pois ainda lhe digo que a maior das pirâmides não prescinde da menor de suas pedras; a maior das aves de sua menor pena nem o maior teto de sua menor telha; e nem o maior corpo do seu menor dedo.
O maior rio não rejeita a menor gota da chuva nem o maior exercito ao seu mais fraco soldado.
O maior rico é aquele que valoriza o menor dos seus bens.
Muito mais eu poderia dizer mas me satisfaço em dizer-lhe: obrigado Guardião da Meia- Noite! Se eu precisar de seu auxilio não terei vergonha em lhe pedir pois por terem vergonha muitos morrem. Morrem por terem desejado algo e não terem provado seu gosto.

Vergonha não faz parte do meu vocabulário e a palavra que mais prezo é a que se chama"respeito".
Aja assim e não será traído nem odiado mas respeitado.
Nem os maiores passarão por cima de você e nem os menores lhe escaparão.
Ele parou de falar.
_ Até à vista, Guardião dos Sete Portais das Trevas!
_ Até à vista, Guardião da Meia-Noite!
A saída foi rápida. Quando já estávamos na crosta, agradeci ao companheiro que havia me acompanhado.
_ Agora você sabe realmente quem é ele e porque é tão calado. _ Comigo não foi calado.
_ Ele sabia que devia dizer-lhe tudo aquilo.
_ Porque?
_ Eu não sei mas ele sabe. Quer voltar lá para perguntar?
_ Não, outro dia eu perguntarei. Até a vista, companheiro!
Dali voltei ao meu ponto de força, era exatamente meia-noite.
Quando cheguei, minha princesa estava preocupada.
_ Pensei que havia sido preso. Onde estava?
_ Vou contar-lhe algo que a deixará estarrecida.
E comecei a falar sobre tudo que havia visto e ouvido.
Quando terminei, ela estava mais apagada que nunca.
_ Como tudo se encaixa perfeitamente, não?
_ Sim, a lógica é perfeita. Não sobra uma única peça fora do tabuleiro. O destino puxa seus fios e nós somos guiados para onde ele quer, Princesa.
_ Será que o Cavaleiro se recuperará?

_ Isto eu não sei mas os mestres da Luz saberão ajuda-lo.
_ A mulher que você viu chegar eu a conheço. Ela é a rainha do ponto de força das trevas do mar. Serve a Lei na segunda linha de força da natureza.
_ Mas porque o Cavaleiro não a levou consigo?
_ Isto é um mistério para mim. No momento certo eu saberei.
_ Quero saber também. Fale-me quando souber.
O tempo corria pois eu me desdobrava no trabalho com os guardiões da Lei na Luz. Muitos de minha linha atingiram o grau de guardiões ou mudavam de lado e passavam para a direita.

O GUARDIÃO DA MEIA NOITE Where stories live. Discover now