CONTINUA A TRAGÉDIA

7 2 0
                                    

Comecei a ouvir barulhos de algo roendo o caixão. O que seria?
Ratos! Só podiam ser ratos! Sim, eles deviam ter cavado um buraco sobre o caixão. Eu me apavorei com a idéia.
_ Meu Deus!_ gritei eu _ Acuda-me !!!
Mas de nada adiantou meu pedido de socorro. Ninguém me ouvia, nem Deus. Senti caírem sobre minhas feridas, farelos de madeira apodrecida. Estavam quase furando o caixão, logo entrariam em seu interior. E isto aconteceu. Foi um horror!
Eles estavam famintos e eram muitos. Lançaram sobre mim com uma fúria indescritível. Eram dezenas deles. Sentia minhas carnes sendo arrancadas pelos dentes afiados. Aquilo era o inferno! Se ele realmente existia eu estava vivendo os seus horrores. Clamava a Deus que me matasse de uma vez. Não sabia como ainda estava vivo. Clamei e não fui ouvido. Desisti de clamar por Deus e pelos santos.

Para que, se não era ouvido?
Uma revolta intensa tomou conta de mim. A dor insuportável não era menor que o ódio. Odiava minha esposa, meu sogro, os índios, o negro, a tudo eu odiava. Maldita humanidade que permitia tal sofrimento a um ser humano.
Os ratos se fartaram em meu corpo. Sentia suas presas rasparem meus ossos para lhes arrancarem até as ultimas lascas de carne. Como doía! Quantas lágrimas eu derramei de dor, desespero e pavor. Eu já sentia todos os meus ossos expostos e eles insistiam em roê-los. Quanto desespero, meu amigo. Já não pensava em mais nada além do meu estado. Cheguei a blasfemar contra Deus e os santos por me deixarem ali, preso e paralisado. Quando as presas dos ratos, todos insaciáveis, tocavam em meus ossos eu urrava de dor. Sim, no desespero, eu gritei com toda minha voz que se Deus não me ajudava, então que o demônio viesse em meu auxilio. Porque fui falar uma coisa dessas naquele momento? Pouco depois eu vi todos os ratos guincharem horrivelmente.
Não atinei com o pavor dos ratos até ver uma enorme cobra no meio deles. Muitos conseguiam fugir pelo buraco por onde haviam entrado, mas outros eram picados pela cobra. Logo, uma outra cobra da mesma espécie começou a descer pelo buraco. Era um pouco maior que a anterior. Os ratos que conseguiam subir pelas paredes do caixão até a saída, saiam guinchando de medo. Não voltavam mais. Quanto aos que ficavam, as cobras iam matando-os. Eram um horror as cenas a que eu assistia. E aquelas cobras rastejando sobre meu esqueleto, então?
Como era tétrico este contato com elas! Quanto medo eu sentia! Já não ligava mais para a dor, o pavor era maior. O que mais restava me acontecer?
Malditos, sogro e esposa que haviam me enterrado vivo!
Eu via as cobras comerem alguns ratos, depois se enrolarem uma de cada lado de mim e dormirem. Por quanto tempo não dizer até hoje. Uma delas começou a se rastejar rumo ao buraco de saída. Passou sobre meu esqueleto. Já estava paralisado há tempos e procurei não me mover mais ainda, se é que isto seria possível, pois eu era só ossos. Não havia roupa alguma a cobrir-me, tudo havia sido roído pelos ratos. Mais tarde a outra cobra saiu também."Melhor assim", pensei. Engano meu, pois os ratos voltaram. Não tantos como da outra vez. O desespero tomou conta de mim novamente. Aquilo foi uma armadilha das duas cobras, pois pouco depois elas voltaram e atacaram os ratos. Tinham, nova refeição fresca, pensei eu. Depois da refeição dormiram sobre meu esqueleto. Uma delas se aninhou entre minhas pernas, a outra sobre meu tórax. Aquilo era o pavor extremo que se poderia sentir. Estava a um palmo de minha boca. Minhas narinas sentiam os seus cheiro peçonhento. Fechei os olhos, mas de nada adiantou pois continuei vendo-a A proximidade era tanta que eu temia respirar muito forte e acorda-la. Mais tarde, não sei quanto tempo depois, ela começou a mover-se. Passou sobre minha cabeça. Senti seu corpo escamoso deslizar sobre meu rosto. Não movi os lábios para não provocala. Lentamente foi indo para meus pés. A outra cobra começou a mover-se também. Emitiram um som que logo descobri, era um chamado para o acasalamento. E elas iniciaram o seu macabro ato sexual. Eu assistia a tudo estarrecido. Não era possível que tudo isto estivesse acontecendo comigo. As cobras saiam e quando algum rato entrava, elas vinham comê-lo. Isto já havia virado rotina. Algum tempo depois, a fêmea pôs uma ninhada de ovos. Isto me

apavorou mais ainda. Aquele buraco iria se transformar em um ninho de cobras. Acho que preferiria os ratos. Logo, os ovos começaram a se partir e saíram pequenos filhotes. Mal haviam nascido e já rastejavam sobre meu esqueleto. Eu vi uma delas se alojar em meu pescoço. Alguns dias depois, famintas, picavam meus ossos na tentativa de comerem algo. Como eram doloridas as picadas! De vez em quando uma delas após muito esforço conseguia sair do buraco. Para mim foi um alivio quando todas saíram. Até as duas grandes se foram. Pude me acalmar um pouco após isto. Consegui mesmo dormir um pouco. Por quanto tempo, não sei, mas acordei assustado quando senti as cobras rastejando sobre mim. Dei um grito de pavor, quando vi a bocarra de uma delas próxima da minha boca. Acho que ela não ligou para meu grito, pois abaixou a cabeça e envolveu meu pescoço. Aquilo era mais do que eu podia suportar. Comecei a sufocar com a pressão.
_ Maldita enviada dos infernos! _ gritei, cheio de medo e de ódio.
Não podia mais suportar aquilo. Minha revolta tinha uma finalidade. Queria que ela me desse uma picada mortal, somente assim eu poderia me libertar de tão medonho pesadelo. Mas nada ela fez. Isso me revoltou mais ainda.
Voltei a xingar e blasfemar.
_ Malditos índios, e maldito casamento dos infernos, que me conduziram a este pesadelo! Os céus me esqueceram, os infernos nem ligam para mim. Clamei por Deus, e não fui ouvido, clamei pelo diabo, e também não fui. Que maldição recaiu sobre mim? E estas serpentes, acaso gostaram do meu inferno pessoal?
Minha revolta levou-me à loucura. Eu gritava em desespero, mas sabia que ninguém me ouviria, seria tudo em vão. De repente, uma voz me assustou:
_ Quem está ai embaixo?
_ Ajude, por favor! _ clamei eu.
_ Quem é você, o que faz ai embaixo?
_ Eu sou o barão de tal, e fui enterrado vivo aqui.
_ Há quanto tempo está ai?
_ Não sei, perdi a noção do tempo. Parece uma eternidade. Pode me tirar daqui? _ Sob certas condições, eu o tirarei rapidamente.
_ Que condições? _ assustei-me com esta frase.
_ Você não tinha escravos há tempos atrás?

O GUARDIÃO DA MEIA NOITE Where stories live. Discover now