𝟏 - 𝐑𝐞𝐜𝐨𝐦𝐞𝐜̧𝐨.

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"𝙸 𝚝𝚑𝚘𝚞𝚐𝚑𝚝 𝚒𝚏 𝙸 𝚠𝚊𝚜 𝚘𝚕𝚍𝚎𝚛 

𝙸'𝚍 𝚑𝚊𝚟𝚎 𝚕𝚎𝚜𝚜 𝚘𝚗 𝚖𝚢 𝚜𝚑𝚘𝚞𝚕𝚍𝚎𝚛𝚜 

𝙸 𝚌𝚊𝚗'𝚝 𝚝𝚎𝚕𝚕 𝚒𝚏 𝙸'𝚖 𝚜𝚊𝚍 𝚘𝚛 𝚋𝚘𝚛𝚎𝚍"

                                             𝚆𝚘𝚞𝚕𝚍 𝙸 - 𝙼𝚊𝚐𝚐𝚒𝚎 𝙻𝚒𝚗𝚍𝚎𝚖𝚊𝚗𝚗

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     "Nunca pensei que um dia me sentiria tão vazia.", é isso que eu penso assim que acordo às 3:00 da madrugada. De novo.

      Estamos no começo de abril, a ansiedade pelo Ano Novo e Carnaval já parecem ser um sonho distante, de anos atrás. Honestamente, para mim, esses feriados só são bons para que eu possa refletir sobre quem eu sou. Ou acho que sou. Aos 10 anos eu sonhava em crescer e me sentir responsável por algo, respeitada pelo o que faço e, principalmente, amada mesmo que não faça. Agora estou perto dos 15 anos e a única coisa que sonho é me sentir completa de novo. 

      Não sonho com dinheiro nem com uma vida luxuosa, porque acredito que o dinheiro não pode comprar felicidade. Não a minha. Talvez ele pudesse se isso significasse roupas caras e maquiagem, mas como a minha atual ideia de felicidade é me sentir satisfeita com o que me tornei e o que vou me tornar, me sentir genuinamente feliz ao acordar, ele não pode.

      Quero viver, não sobreviver.

      Olhei de novo o relógio e já são 3:40, passei quarenta minutos refletindo. Dissociar já está virando um hábito. Me levantei da cama e fui em direção a minha escrivaninha, no qual meu diário está em cima. Adoro escrever nele, sinto como se tivesse falando com uma entidade poderosa que me entende. Não Deus nem qualquer personagem religioso. Parei de acreditar nele numa madrugada fria de dezembro, o Natal passado. Chorei litros naquela noite por me sentir insuficiente no relacionamento que estava. Minha ex-namorada me tratava mais como uma escrava emocional do que como uma parceira de vida, e eu acreditei fielmente que a culpa era minha. Ela terminou comigo no meio de março e desde então tento me encontrar de novo.

      Pego minha caneta e me posiciono na cadeira para começar a escrever, sob a luz fraca da luminária de Lua. 

      Evelline, 04/04/2021.

      Acordei às 3:00 mais uma vez. É estranho pensar que foi nesse horário que a Mary terminou comigo, parece que meu corpo lembra o que me machucou e quer me forçar a reviver tudo de novo e de novo até superar completamente. Se for isso, está funcionando. Agora eu consigo entender que nunca fui o problema. Mary não sabe lidar com quem realmente gosta dela, não sei exatamente o porquê e, sinceramente, nem quero saber. Já está bom de eu tentar decifrar os outros e esquecer de mim, não é? Me preocupei tanto em salvar meus amados de seus demônios que não percebi quando virei a hospedeira. 

      Ultimamente venho pensando muito a respeito da minha sexualidade. Ainda não saí da dúvida se sou lésbica ou bissexual, mas me sinto melhor por não saber. A maior parte daquele medo de rejeição se foi. Se sou um ou outro, não sinto mais pressa em saber. Estou em paz em relação a isso. Se um dia eu me apaixonar por um garoto, não sentirei medo. Vou apenas sentir a paixão me consumir, como sempre fiz com as garotas, mas não ao ponto de me engolir igual aconteceu com Mary.

      Também estive pensando na Mika e no Luke. Mais na Mika. Eles são meus melhores amigos e ainda assim não os vejo há um mês. Passei um mês, quatro semanas, afundando na cama, sem sentir coisa alguma além desse vazio constante. Minha terapia foram os livros. Livros, o que dizer deles? Como posso explicar o quanto eles me ajudam? Eles foram minha salvação em dezembro e foram meu conforto nessas semanas. Li sete livros no total. Sete lições diferentes. Decidi fazer uma lista para nunca, jamais, esquecê-las.

1: Não sou responsável pela escolha dos outros.

2: Pessoas são temporárias mesmo, afinal; sempre vão embora, seja por vontade própria ou não.

3: Existem mais de um tipo de abuso; uma pessoa pode ser abusiva sem esconder isso, te tratando mal publicamente e te tirando do sério. Mas também pode ser abusiva sem que você perceba, com um tom calmo e cativante, te fazendo acreditar que aquilo é pro seu bem, que se preocupa com você. Mas sabe o que eles têm em comum? Ambos fazem você se odiar.

4: As pessoas não são obrigadas a ter por você a mesma consideração que você tem por elas, da mesma forma que não são obrigadas a agir da forma que você agiria.

5: Quando dizem que o amor vence qualquer coisa, com certeza não estão falando de amor próprio; não existe nada mais difícil do que se afastar de quem você ama por puro amor próprio.

6: Se tratar com tanto ódio também é um tipo de abuso contra você mesma.

7: O tempo passa, mesmo quando isso parece impossível. Mesmo quando cada segundo parece uma facada no seu coração, ele passa. E leva sua dor com ele.

      Guardarei essa lista comigo, farei cópias e mais cópias dela, para que esteja presente em cada bolsa que eu tenha. Se eu ficar presa naquela neblina emocional de novo, vou esquecer de tudo que é importante, e isso é importante. Preciso estar preparada e aprender a cuidar de mim de novo.

NeblinaOnde histórias criam vida. Descubra agora