capítulo 2 - segunda carta.

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15 de Julho, 2012

Hinata,

Hoje faz uma semana desde a nossa briga. Nós brigamos sempre, é claro, mas acho que essa foi a primeira briga de verdade entre a gente. Você me irrita muito. Por sua causa, eu fui falar com o Oikawa-san. Explanei para ele nossa situação, falei que você não quer mais fechar os olhos no nosso ataque rápido. Ele me fez perceber que eu estava sendo meio possessivo com você, querendo controlar seu corpo e seus movimentos em quadra, e me disse: "Você está fazendo um levantamento 100% do jeito que ele quer?". Fico todos os dias pensando sobre isso, desde a hora que acordo até a hora em que eu vou dormir. Eu continuo sendo tão egocêntrico assim com você, Hinata? 

Estou treinando um novo levantamento que eu nunca fiz. Ele vai ser único, só seu, porque eu quero que você continue evoluindo, mesmo que eu tenha que dar meu máximo para isso. Sabe, não me lembro da última vez que me esforcei tanto para conseguir fazer algo no vôlei antes. Não estamos nos falando, mas espero que você esteja dando o seu melhor também, porque a única companhia que estou tendo ultimamente é a Yachi-san, que me ajuda com as bolas durante meus treinos, mas ela não é você.

Eu sinto muito a sua falta, mais do que eu gostaria de sentir. A cada dia que fico sem falar com você me sinto mais sozinho e mais perdido, como se eu estivesse voltando a ser quem eu era antes de te conhecer. Não é de hoje, mas essa briga deixou bem claro que... Eu preciso de mais, mais de você, Hinata Shoyo. Eu quero mais do que algumas horas de treino por dia. Eu quero estudar na mesma turma que você para poder ficar te olhando durante a aula enquanto você dorme. Eu quero dividir meu almoço com você e te levar para sua casa todos os dias, nem que eu tenha que subir aquele morro enorme que você mora a pé. Eu quero levantar mais, e mais, e mais bolas para você. O que caralhos tá acontecendo comigo?

Se esforce bastante para que esse novo ataque rápido funcione logo, porque não aguento mais te olhar e não poder te xingar ou bagunçar seus cabelos e não poder ouvir sua voz gritando meu nome.

Kageyama Tobio

...

Caralho. É a única coisa que eu consigo pensar. caralho. Acabei abrindo duas cartas de uma vez, porque não consegui acreditar no que estava escrito.

Eu não tomei a decisão de começar a ler as cartas esperando algo de especial. A minha expectativa era conhecer mais um pouquinho a pessoa que eu tanto amava - e ainda amo -, e só. Uma das últimas coisas que queria era ler o que estava lendo agora. Kageyama se importava tanto comigo assim? Ou melhor, eu era tão importante para Kageyama assim? Ele nunca me disse que gostava de quando eu gritava seu nome, ou que gostava de levantar para mim mais do que para qualquer outra pessoa, ou que ele queria fazer tantas outras coisas comigo. E que porra de conversa foi aquela com o Oikawa? Ele nunca me contou nada daquilo.

Eu lembro até hoje da nossa primeira briga, porque foi naquele dia que eu descobri que amava o Kageyama. Descobri que o amava porque fui forçado a me afastar dele. Eu precisei perdê-lo para perceber que eu queria viver o resto da minha vida do seu lado. Mesmo assim, perder uma vez não foi o suficiente para ter coragem de falar com ele. Precisei perdê-lo de novo, mas dessa vez para sempre. E agora não tenho que esperar a coragem para me declarar, mas sim para finalmente tirar a minha vida e encontrá-lo do outro lado.

Isso se eu der sorte, por que anjos como ele certamente não iriam para o inferno como eu.

— Por que guardou tudo isso para você, Kageyama? - Ah. Dou um soco forte na minha perna depois da minha pergunta idiota. Acho que sou a última pessoa que pode questionar sobre ele não ter falado nada, afinal, mesmo morto, está compartilhando seus pensamentos comigo. Eu, que tive tantas oportunidades de contar o que sentia para ele, vou continuar vivendo sem dizer o que queria. Eu é que deveria ter morrido naquele dia.

Já está ficando tarde, então não leio mais nada. A culpa preenche meu peito ao ponto de estufá-lo, e preciso liberar essa sensação. Continuarei lendo amanhã, se ainda estiver vivo. Espero que aqueles remédios façam algum efeito.

Volto a segurar minha lâmina, e então, inicio o que deveria ter feito desde o começo.

...

24 de Janeiro, 2015

— Shoyo. Acorda, porra. Acorda, anda... Já mandei você acordar, caralho!

— Tô levantando, porra. - o dia de Hinata já estava sendo horrível pelo simples fato de ele ter acordado. Levantar todos os dias sabendo que tem uma mãe viciada berrando no seu ouvido, uma irmã que vai crescer sem uma boa família e um amor que está debaixo da terra era como levar um soco na boca do estômago logo depois de comer. Aliás, ele não comia direito há uns dois dias.

— Vai tomar um banho e trocar esses lençóis. Não vou nem encostar nessa nojeira cheia de sangue que você chama de cama.

— Você tá fedendo a cigarro e são 7 da manhã. Vai se foder.

Não só sua cama, mas todo o seu quarto estava bagunçado. Sua escrivaninha estava coberta de livros da escola, comida velha e roupas sujas, inclusive o uniforme da Karasuno, que estava intacto desde a morte de Tobio. Sua parede estava descascada. No canto do chão imundo, havia uma bola de vôlei empoeirada. Seu celular, que estava em cima de outro amontoado de roupas, estava com a tela acesa, provavelmente era Yachi ou Yamaguchi perguntando se estava tudo bem. Ele sempre dizia que sim, e eles sempre sabiam que era mentira.

Hinata abriu a geladeira e só tinha um pedaço de queijo, uns ovos e cerveja. Pegou uma cerveja e o pedaço de queijo, para não dizer que não comeu nada, e voltou para seu quarto. Buscou alguma roupa que não estivesse fedendo tanto e vestiu, pois iria passear hoje. Antes de sair, pegou as cartas de Kageyama e colocou-as no bolso de seu moletom. A sorte é que era inverno, então usar um moletom para esconder as diversas cicatrizes em seu corpo não parecia nada estranho.

...

— Sabe, Kageyama, nós amávamos vir para cá. Se lembra? — O ruivo falava sozinho debaixo de uma cerejeira. Foi o primeiro lugar onde Hinata se flagrou pensando em como seria ter um encontro com o outro. Naquele lugar, eles comiam e conversavam sobre estratégias de jogo, ou falavam sobre como seus adversários eram incríveis. — É óbvio que você não se lembra... Você tá morto. — O garoto tinha percorrido o antigo trajeto até a árvore de cerejeira com as cartas de Kageyama porque pensou que, de algum jeito, aquilo o traria de volta. Como pôde ser tão infantil? Era óbvio que ele não voltaria.

Não havia ninguém por perto, então Shoyo pegou as cartas de seu bolso e quis ler mais uma. Parecia que ler aquelas palavras estava se tornando necessário. A dor que sentia percorrer pelas suas veias a cada frase que lia com a letra de Kageyama no papel fazia seu remorso explodir, mas acima de tudo, ele achava que merecia aquela dor.

Ele merecia mesmo aquela dor.

  

   

Todas As Cartas Que Escondi De Você [KageHina]Onde histórias criam vida. Descubra agora